Sobre auras e parentescos: imagens da poesia de Maria Lúcia Dal Farra
Maria Lúcia Dal Farra, poesia brasileira contemporânea, lírica, cotidiano feminino, erotismo.
Povoada de coisas de mulher, de memória familiar e de auras, a lírica de Maria Lúcia Dal Farra, que compreende o Livro de Auras (1994) e o Livro de Possuídos (2002), desponta como um espaço profundo de integração do universo. A reconciliação operada por essa poesia combina uma estrutura lingüística específica com um olhar que, percebendo a semelhança que rendilha o mundo, retira dessa experiência sentidos fundamentais. Como fruto da convivência com essa poesia, esse trabalho busca, pois, discutir a composição formal e subjetiva que figuram o universo poético do Livro de Auras, cujo tempo, habitável e enraizante, contraria a contemporaneidade, com seu ritmo predominantemente voraz, incansável na tarefa de produzir o efêmero, o fragmentário, a ruína dos sentidos e da experiência. Seguindo a tradição adorniana, nosso trabalho mergulha no espaço poemático para, de dentro de sua singularidade estrutural e espiritual, intuir sua relação com a sociedade. Nos quatro capítulos que compõem esse estudo, lemos os poemas considerando essa duplicidade temporal, necessária à qualquer formação lírica. Uma atitude meditativa cujo tom é de sabedoria; um tempo cíclico que ordena espaços de enraizamento; a presença da memória, como instrumento enraizador; a imagem como mecanismo de aproximação e de semelhança, figurando linguisticamente a visão que transmite o parentesco entre as coisas e os seres; um olhar que esquadrinha o mundo, na busca do sentido e da convergência insuspeitos; são alguns dos elementos articulados pelo projeto poético dal-farreano e que esse trabalho procurou, reflexivamente, penetrar.