A QUEDA DO PARAÍSO: OS TRAUMAS DA MODERNIZAÇÃO EM ÓRFÃOS DO ELDORADO, DE MILTON HATOUM
Palavras-chave: literatura brasileira contemporânea; memória; espaço; modernização; Milton Hatoum.
Esta dissertação tem como objeto de pesquisa o romance contemporâneo Órfãos do Eldorado (2008), de Milton Hatoum. Situada na primeira metade do século XX e ambientada às margens do rio Amazonas, com deslocamentos entre a cidade fictícia de Vila Bela, a metrópole Manaus e a Cidade Encantada (em referência ao mito do Eldorado), a história é narrada de forma memorialística e oralizada por um personagem velho – filho da elite do ciclo da borracha – em seu presente pobre e periférico, tendo como mote principal o seu declínio econômico, familiar e amoroso. Frente a essas características, o objetivo desta pesquisa é investigar os entrecruzamentos entre a memória e o espaço em Órfãos do Eldorado (2008), com vistas à compreensão de como a obra internaliza a sociedade brasileira em seu universo ficcional – principalmente no que concerne à modernização e a sua percebida correspondência com o autoritarismo e a violência. Para isso, buscamos, de forma mais específica, esmiuçar a construção e a vinculação da memória e do espaço na narrativa; investigar de que forma essa ligação reflete questões sociais, econômicas e políticas da modernização e situar a discussão na contemporaneidade, entendendo a condição sintomática e o papel dessa literatura. Utilizamos como fundamentação teórico-metodológica os pressupostos da crítica integrativa, de Antonio Candido (2006) e Roberto Schwarz (1987; 1999), com o intento de elucidar a relação entre texto e contexto; e Ozíris Borges Filho (2004) para nortear a investigação do espaço literário. Para a discussão da memória, partimos de Maurice Halbwachs (2004); Michael Pollak (1989) e Márcio Seligmann-Silva (2000), salientando o debate sobre os conceitos de memória individual, memória coletiva e memória traumática; além de Aleida Assman (2016) e Ecléa Bosi (1979) para discutir a vinculação da memória com os espaços. Gagnebin (2006; 2012), Berman (2007) e Benjamin (1989; 1994), por sua vez, são aportes para tratar a relação estrutural com o choque da sociedade moderna, elemento que focalizamos no Brasil e no Amazonas por via de Lilia Schwarcz (2015; 2019) e Márcio Souza (2019). Como resultado parcial de análise, nota-se que a modernização brasileira – representada pelos ciclos da borracha no Amazonas – é internalizada, no romance de Hatoum, como um rastro autoritário e violento vinculado à decadência do sujeito e dos espaços narrativos, os quais são assolados pela desigualdade – aspecto que nega, inclusive, a fuga do lugar pela imaginação-mitificação: o mito é reificado e destruído pela realidade simbolizada. A modernização parece configurar, assim, como um trauma coletivo que perdura no presente.