Água viva: uma cosmovisão pela solidão
Literatura Brasileira. Clarice Lispector. Água Viva. Solidão. Cosmovisão.
Esta pesquisa possui como objeto de investigação a obra literária Água viva, de Clarice Lispector (1973/1998a). Água viva é caracterizada pela presença do fluxo de consciência e por um tom de inesperada improvisação, além de não se encaixar em concepções de gênero convencionais. Dessa maneira, um dos principais aspectos da obra é a desconstrução (ou a reconstrução) das definições e dos limites dos gêneros literários tradicionais. Na linguagem do livro, em que se sobressai o fluxo de consciência, apresenta-se uma cosmovisão, ou concepção de mundo, em que se destaca o caráter de indeterminação da existência, a qual é colocada como aquém do controle total do ser humano; ao mesmo tempo, concebe-se a existência do ser como estritamente ligada à existência do outro, e à do mundo, como inseparáveis. Assim, neste trabalho, nosso objetivo é investigar como essa cosmovisão é esteticamente construída pela linguagem da obra, especialmente nas estruturas simbólicas representadas e pela constituição do livro como um tudo, no que diz respeito ao seu gênero. Para fundamentar esta análise, consideramos as proposições da fenomenologia-existencial, especificamente no que se refere ao pensamento de Martin Heidegger sobre as concepções de solidão e de angústia. Nesse sentido, tomamos como base especialmente as obras Os conceitos fundamentais da metafísica: mundo, finitude, solidão (2011), de Heidegger, e A existência para além do sujeito: a crise da subjetividade moderna e suas repercussões para a possibilidade de uma clínica psicológica com fundamentos fenomenológicos-existenciais (2011), de Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo, ressaltando-se conceitos como os de ser-no mundo e de ser-com-o-outro. Isso, porque é pela solidão que se cria o espaço para a narradora-protagonista da obra em questão olhar para si mesma e se compreender — e, ao mesmo tempo, não se compreender — como indivíduo, mas também como parte de um todo, o que é expresso nas concepções de existência construídas pela obra, do ponto de vista estético.