ENTRE A QUENTURA DAS LEMBRANÇAS E O BRILHO DAS MALACACHETAS: AS CONFIGURAÇÕES NEORREGIONAIS NO ROMANCE RASTEJO
Rastejo; rastros; resíduos; Hermenegildo de Araújo; neorregionalismo.
Este trabalho consiste na leitura crítica do romance Rastejo (2017), do escritor norte-rio-grandense Humberto Hermenegildo de Araújo. Ancoramo-nos, metodologicamente, na crítica sociológica integrativa de Antonio Candido (2002; 2005; 2010), através da qual se enseja o entendimento acerca de como a obra do artista potiguar inscreve-se no panorama cultural contemporâneo brasileiro, atualizando a tradição regionalista precedente pela perspectiva do Neorregionalismo (BRITO, 2017). Como plano de trabalho, recorreu-se à temática citada, entendida, geneticamente, como uma disposição humana universal (LEITE, 1978; CHIAPPINI, 1995; 1997), configurada por meio de um vínculo sentimental entre o sujeito e o espaço nativo. Para a fundamentação da discussão, tomam-se, principalmente, os estudos de Candido (2002a; 2017a; 2017c; 2017d), a partir dos quais se concebe a natureza neorregional do romance do escritor potiguar, sob a forma de elementos culturais do passado que ressurgem atualizados, como resíduos (WILLIAMS, 1979; 2011) e rastros (BENJAMIN, 2007). Por essa lógica, analisa-se a representação do homem sertanejo na condição de remanescente de uma cultura rural anterior, quando ele começa a ser impactado pela experiência do cotidiano do espaço urbano, de uma modernidade industrial e capitalista, avaliando-se tal tensão, à luz de uma historiografia crítica do gênero romance (BAKHTIN, 2003; 2014a), no âmbito da formatação da ficção contemporânea. Sob essas condições, suscita-se a análise do protagonista de Rastejo, que, na condição de narrador, transfigura as várias nuances psicológicas de um herói divergente do formato clássico (LUKÁCS, 2009; LIMA, 2017; LEITE, 1978; ANDRADE, 2002; GINZBURG, 2012b; LAFETÁ, 1992), ao problematizar as tensões da vida na cidade grande em contraste com as experiências rurais anteriores, implicando no surgimento de uma condição melancólica, como uma resposta emocional às contradições da modernidade. No plano constitutivo da personagem, isso resulta na técnica da narração em primeira pessoa, que coloca a rememoração enquanto dispositivo necessário para se acessar o passado (HALBWACHS, 2003; BOSI, 2003; CANDAU, 2019) e conhecer a realidade anterior e as relações de alteridade produzidas ao longo da vida da personagem central, principalmente, quando se observam os modelos de representação do masculino e do feminino, no contexto das culturas sertaneja e urbana, transfigurados na obra. Compreende-se, assim, que Pedro da Costa representa, na transfiguração neorregional, o sujeito remanescente do sertão que experimenta o tensionamento social e emocional, diante dos novos modos de vida determinados pela modernidade urbana.