Literatura e ditadura: análise dialógica da representação da repressão e da resistência em Carlos Heitor Cony
Dialogismo. Heterodiscurso. Repressão. Resistência. Carlos Heitor Cony.
A contemporaneidade brasileira tem sido marcada com o ressurgimento e a efervescência de discursos sociais que trouxeram à tona visões de mundo acerca da ditadura militar: discursos divergentes que carregam consigo imagens ora positivas, ora negativas dos “anos de chumbo”. Naquele período, a literatura passa a ser uma grande ferramenta de combate utilizada por romancistas, cronistas e poetas que passaram a utilizar as suas produções para materializar nelas discursos contra a ditadura militar e as atrocidades cometidas com aqueles que demonstrassem discursos críticos aos generais presidentes. Por apresentarem uma escrita inovadora, um diálogo com o contexto de produção e um (des) mascaramento crítico nos discursos para com a ditadura militar, entre essas produções, destacam-se as obras do escritor Carlos Heitor Cony: Pessach: a travessia, Pilatos e Quase memória, quase romance, escritos, respectivamente, antes, durante e depois do AI5, o repressivo decreto da ditadura militar, e que servirão de corpus deste trabalho. Neste viés, o objeto de estudo desta pesquisa afunila-se na relação existente entre a ditadura militar brasileira e o romance, visto como discurso literário responsável por refletir e refratar heterodiscursos impregnados de ideologias. Desta forma, o objetivo central desta tese é defender a ideia de que os discursos de repressão e de resistência estão presentes nas obras de Cony como manifestações das forças centrípetas e centrífugas da língua materializadas mais expressivamente na forma e no conteúdo dos romances, mais especificamente nas vozes dos narradores, dos personagens e na maneira com a qual os romances foram orquestrados. É por meio das relações dialógicas presentes nas obras com o contexto de produção e do heterodiscurso que as compõe que se pretende apontar de que forma o discurso de repressão e de resistência foi materializado nos romances. Para tanto, será feita uma análise comparativa entre as três obras tendo como recorte metodológico as vozes dos narradores, os discursos dos personagens e a forma como os romances foram elaborados. Desta maneira, verificar-se-á, comparativamente, como esses sujeitos, que são responsáveis por compor a plurivocalidade do romance (narradores e personagens) apresentam suas críticas à ditadura e como este cenário político é refratado. As discussões e análises deste trabalho se fundamentarão, principalmente, nos pressupostos teóricos e metodológicos da teoria bakhtiniana e do chamado Círculo de Bakhtin, especialmente nas contribuições de Valentim Volóchinov e Pavel Medvedev. As reflexões acerca dos impactos da ditadura militar na sociedade brasileira terão como principal sustentação teórica os estudos de Pontes (2013; 2018), Arns (1987) e Schwarcz e Starling (2015), que traçam um panorama dos “anos de chumbo” pelos quais passou a sociedade brasileira daquele período e que foram refratados nas obras aqui analisadas. Percebeu-se, até o momento, que a presença do discurso de repressão e de resistência compõem nitidamente os discursos dos narradores. Todavia, nota-se um mascaramento do discurso crítico de resistência na voz do narrador em Pilatos, resultado do autoritarismo e do seu discurso de repressão, que cerceava os discursos críticos à ditadura militar brasileira e que também ajudou a compor os discursos dos narradores.