"TRILOGIA DA TORTURA”: MULHERESE SEUS DISCURSOS NOS ROMANCES DE HELONEIDA STUDART
Heloneida Studart. Trilogia da Tortura. Ditadura. Literatura e Sociedade.
Entre as décadas de 1970 e 1980, a escritora e jornalista Heloneida Studart publicou, dentre outras obras, três romances aos quais chamou de “Trilogia da Tortura”: O pardal é um pássaro azul (1975), O estandarte da agonia (1981), O torturador em romaria (1985). Nesses enredos, Studart narra vidas cotidianas que têm como pano de fundo a ditadura civil-militar brasileira. Todas as três obras dão grande protagonismo a figuras femininas, sendo as duas primeiras narradas em primeira pessoa por narradoras que são, também, personagens protagonistas. O terceiro livro tem como narrador um torturador, que rememora diferentes momentos torturando presos políticos, enquanto traça para si um novo caminho presente e futuro. A análise dos livros dessa trilogia possibilitou perceber diferentes nuances em torno das figuras femininas, conduzindo dessa forma a uma análise mediada por duas chaves de leitura: os discursos que as mulheres dizem umas às outras, quando em diálogo direto; e a evolução da personagem feminina protagonista enquanto o enredo avança. Para apoiar tal análise e ampliar nossa compreensão, recorremos à teoria do Círculo de Bakhtin, no que tange a orientações metodológicas e a concepções de discurso e linguagem presentes em Bakhtin (2015; 2017), Medvièdev (2012) e Voloshinov (2017). As ideias bakhtinianas embasam mais fortemente a primeira chave de leitura, enquanto a análise da evolução das personagens femininas será facilitada principalmente por noções de teoria da narrativa, da dialética (CANDIDO, 2014a; 2014b), e impulsionada pelo detalhamento dos enredos, em transcrições fortuitas e esclarecedoras. O arremate dessas análises nos faz perceber dois movimentos aparentemente opostos produzidos pelas duas chaves de leitura: discursos diretos com ideias conservadoras, cuja direção é a de estagnar a dependência da figura feminina na sociedade; e evolução de personagens mulheres que vão mostrando o caminho inverso, da construção da independência, autonomia e destemor. Essa aparente contradição ilustra o movimento feminino e feminista àquele período, e também atualiza-o, mostrando a tensão de forças discrepantes que a sociedade ainda galga no que tange à independência do feminino e às representações de mulher.