A ARGUMENTAÇÃO NO TRIBUNAL DO JÚRI: DEFESA E A ACUSAÇÃO EM CRIMES DE HOMICÍDIOS DOLOSOS CONTRA A MULHER
Homicídio doloso contra a mulher. Sustentação oral. Tribunal do Júri. Emoção. Empatia. Ponto de Vista. Responsabilidade Enunciativa.
O assassinato doloso contra a mulher, enquanto forma extrema da violência de gênero, caracteriza-se, muitas vezes, pelo assassinato de mulheres motivado por ódio, desprezo ou sentimento de posse, e, no Brasil, tem alcançado índices alarmantes, refletindo uma cultura persistente de desigualdade, machismo e naturalização da violência contra a mulher; embora leis como a Maria da Penha (2006) e a do Feminicídio (2015, 2024) representem avanços significativos, os dados seguem elevados, o que evidencia a necessidade de ações mais eficazes. Diante desse contexto, esta tese investiga os discursos de promotores e defensores públicos em sustentações orais de homicídios dolosos contra mulheres, com o objetivo de analisar como se constroem os pontos de vista (PDV), a responsabilidade enunciativa (RE), a emoção e a empatia nesses gêneros jurídicos. A pesquisa, de caráter qualitativo, interpretativista e de base indutiva, ancora-se na Análise Textual dos Discursos (ATD), conforme Adam (2011, 2022), articulada à Retórica Clássica de Aristóteles, à Nova Retórica de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) e às teorias enunciativas de Rabatel (2016, 2021), da emoção com Plantin (2011), Micheli (2010) e Martineau (2021) e da empatia com Rabatel (2013). O corpus foi formado por sustentações orais disponíveis no YouTube, referentes a casos de homicídio doloso contra mulher, nos quais o réu possuía relação de confiança com a vítima e os julgamentos tiveram repercussão local, sendo todas as transcrições padronizadas segundo o Projeto NURC. Os resultados demonstram que o plano de texto das sustentações segue a estrutura clássica da Retórica de Aristóteles — Exórdio, Narração, Confirmação e Peroração —, garantindo organização lógica e persuasiva ao discurso; além disso, observou-se que, nas falas da acusação, predominam teses relacionadas à luta contra a violência doméstica e à crueldade do réu, frequentemente ancoradas em argumentos emocionais e empáticos, enquanto na defesa destaca-se a crítica à moralidade do promotor, geralmente por meio de argumentos que exploram dúvidas, inseguranças e a condição do réu. Quanto ao PDV, verificou-se o uso assertado no Exórdio, com elogios e termos positivos voltados à criação de empatia com os jurados e autoridades; já na Narração, prevalece o PDV narrado, construído com verbos no passado que reconstroem o crime sob a ótica da parte representada; na Confirmação, volta a predominar o PDV assertado, por meio de modalizadores epistêmicos, lexemas avaliativos e advérbios de opinião; e, na Peroração, há forte apelo ao pathos, com o uso de termos emocionais como “justiça”, “dor” e “sofrimento”, sobretudo por parte da acusação. Em relação à responsabilidade enunciativa, as marcas mais recorrentes incluem pronomes e verbos na primeira pessoa, dêiticos e modalizadores, que ajudam a ancorar o ponto de vista e reforçar a argumentação; e, por fim, identificou-se a presença constante de argumentos emocionais e recursos empáticos em ambos os lados de diferentes formas, o que evidencia distintas estratégias persuasivas no processo argumentativo das sustentações orais no tribunal do júri.