Micropolitica do processo de trabalho de enfermeiros rurais: uma cartografia das praticas de cuidado.
Enfermagem rural. Trabalho. Cuidados de enfermagem. Atenção Primária à Saúde. Cartografia. Pesquisa qualitativa.
Este estudo teve como objetivo cartografar a micropolítica do processo de trabalho de enfermeiros rurais no desenvolvimento das suas práticas de cuidado. Trata-se de um estudo qualitativo, ancorado nos marcos conceitual de Sanna sobre o processo de trabalho em enfermagem, e teóricos-metodológicos da cartografia de Gilles Deleuze e Félix Guattari. A produção dos dados ocorreu entre novembro e dezembro de 2022 e setembro de 2024 mediante entrevistas discursivas e observação participante do processo de trabalho de oito enfermeiros rurais, selecionados por amostragem intencional. As entrevistas foram audiogravadas, transcritas e complementadas com as notas de campo, constituindo um corpus de pesquisa cuja análise foi mediada pela análise de discurso foucaultiana e pelo fluxograma analisador proposto por Merhy, sendo os dados interpretados à luz dos marcos teóricos e conceituais adotados no presente estudo. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob parecer de número 5.695.462. Como resultados do processo de análise foram construídos quatro blocos discursivos: A malha de práticas cuidativas elaboradas pelos enfermeiros rurais: aproximações e distanciamentos da atuação generalista; “Tem profissional da zona rural que não quer se sujar de terra”: as linhas duras que atravessam a micropolítica dos processos de trabalho do enfermeiro rural; O estabelecimento de vínculos como pontos produtores de linhas de fuga; e A constituição do enfermeiro rural como sujeito. As intelecções elaboradas a partir desses blocos possibilitaram compreender que as práticas de cuidado desenvolvidas pelos enfermeiros rurais nos processos de trabalho assistir e gerenciar em enfermagem se organizam ao redor da demanda espontânea e de práticas protocolares baseadas nas recomendações do Ministério da Saúde, assemelhando-se ao cuidado que é realizado nos contextos urbanos, e se ancoram no modelo biomédico curativista, desvalorizando ações de promoção à saúde e a consulta de enfermagem como instrumentos de alteração desse paradigma, o que traça diversas linhas duras no cuidado de enfermagem, o qual acaba por ser maior centrado em tecnologias leve-duras do que nas tecnologias leves do cuidado. Contudo, o estabelecimento de vínculos com a população rural se constituiu em pontos de ruptura, traçando linhas de fuga centradas nas tecnologias leves, com potencial de exercer um cuidado melhor qualificado, pautado na integralidade. O enfermeiro rural, por seu turno, brota como sujeito a partir do entrecruzamento dessas linhas, mediante construções duais e da identificação que desenvolve com a enfermagem rural. É premente que esforços sejam realizados para aumentar o vínculo usuário-enfermeiro, a fim de alcançar a integralidade em todas as práticas que esse profissional desenvolve, bem como fortalecer ações promocionais da saúde, com vistas a alterar a lógica assistencial das ESFs rurais. O cuidado cartográfico emerge com esse intuito, sendo pensado e elaborado no agir das tramas estabelecidas na relação interpessoal do enfermeiro com os usuários, oportunizando boa adesão terapêutica, melhora do autocuidado, melhoria da qualidade de vida, dentre outros ganhos que podem ser efetivados para a população rural a partir da atuação dos enfermeiros rurais.