É navegando que se faz a navegação: travessias desinstitucionalizantes em busca da ilha desconhecida
Desinstitucionalização. Medida de segurança. Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. Pesquisa-intervenção. Imagem.
A Reforma Psiquiátrica brasileira elaborou novos paradigmas acerca da loucura através de um projeto de desinstitucionalização, entretanto, o cuidado voltado para as pessoas em sofrimento psíquico que entraram em conflito com a lei, os ditos “loucos criminosos”, é pensado pela via da internação fechada e de longa permanência, chamada de “medida de segurança”. O manicômio judiciário, Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), é o lugar responsável pelo cumprimento da execução da medida de segurança detentiva, a qual pode perdurar em caráter perpétuo, haja vista a sua não previsão legal acerca de limite máximo temporal. No cenário necropolítico, as arbitrariedades e abusos das práticas de encarceramento em instituições totais fazem com que a condição do “louco criminoso” possa ser considerada mais grave com relação às outras populações encarceradas, por vulnerabilidades tantas que fazem parte da realidade das pessoas em sofrimento psíquico no Brasil. A privação da liberdade, a ausência de autonomia e de sociabilidades e a violação da condição humana, ferem a proposta da Reforma Psiquiátrica, por isso é necessário desinstitucionar a medida de segurança. Nesse sentido, este estudo surge dos seguintes questionamentos: Quais seriam os fluxos e obstáculos que poderiam se apresentar durante a construção de um programa de desinstitucionalização da medida de segurança no estado do Rio Grande do Norte? Como articular a viabilização da construção e da efetivação desse programa? Tem como objetivo geral discutir o processo de institucionalização da medida de segurança no estado do Rio Grande do Norte quanto aos seus aspectos históricos, políticos e institucionais. Como objetivos específicos, temos: a) caracterizar quem são as pessoas em sofrimento psíquico em conflito com a lei submetidas à internação na Unidade Psiquiátrica de Custódia e Tratamento (UPCT); b) acompanhar o cumprimento da medida de segurança, observando as rotinas institucionais e as práticas de cuidado em saúde mental; c) conhecer os fluxos e possíveis obstáculos para a desinstitucionalização da medida de segurança; e d) construir e propor estratégias que visem a elaboração de um programa de atenção ao sujeito em sofrimento psíquico submetido à medida de segurança. Trata-se de estudo qualitativo realizado através de dois procedimentos metodológicos: a) pesquisa documental em jornais da época da criação do manicômio judiciário em Natal; b) pesquisa de intervenção cartográfica institucionalista. Participaram da intervenção: profissionais que trabalham e pessoas que se encontram cumprindo medida de segurança na UPCT; profissionais que atuam na rede de atenção psicossocial; operadores do direito e pesquisadores. Quanto à intervenção, utilizamos os seguintes recursos: análise de prontuário, encontros de capacitação, oficina de fotografia e a produção de um filme-documentário. A imagem é ato e as imagens fotográficas da tese são fragmentos de resistência histórica em tempos de governo fascista e retrocessos da política antimanicomial. O uso das imagens, nuas e intoleráveis, revela os horrores da prisão, em pleno funcionamento, de “loucos criminosos”. Espera-se que as discussões realizadas a partir dos dispositivos desinstitucionalizantes construídos na tese possibilitem a abertura do saber e os espectadores tornem-se emancipados. Acredito que a pesquisa contribui com a luta antimanicomial fazendo aparecer o manicômio judiciário em cenários que não tinha visibilidade, partilhando o sensível na ordem do visível, trazendo a luta e o lugar ocupado pelos corpos em sofrimento psíquico em conflito com a lei.