A Psicologia e a transgeneridade: saberes e distanciamentos
Psicologia; psicoterapia; transgeneridade; transexualidade; hermenêutica-dialética
Embora tenhamos o psicólogo como profissional obrigatório em uma equipe de trabalho que executa uma parte significativa da oferta de cuidados às pessoas transgêneras, essas experiências ocupam pouco espaço de reflexão no campo da atuação psicológica, e a produção na área é feita por poucos pesquisadores. Nos perguntamos se esse profissional de psicologia está preparado para lidar com o público trans e as suas demandas caraterísticas. Portanto, temos como objetivo do trabalho compreender o saber-fazer que está sendo vivenciado nas práticas dos atendimentos psicológicos a pessoas trans, a fim de contribuir para a construção de um saber próprio da psicologia, mais sensível no cuidado a saúde da população trans. E como objetivos específicos temos: (a) conhecer as práticas de atendimentos psicológicos a pessoas trans, na perspectiva das pessoas trans; (b) conhecer as práticas de atendimentos psicológicos a pessoas trans, na perspectiva dos psicólogos que as atenderam; (c) investigar através de que meios (formação, cursos, leituras, perspectivas teóricas) se construiu o saber sobre as diferentes identidades de gênero, pelos psicólogos entrevistados; (d) investigar qual a concepção a respeito da transexualidade, pelos psicólogos; e) identificar boas práticas de psicólogos em experiências bem-sucedidas de atendimentos na concepção das pessoas trans. Foi utilizada a pesquisa qualitativa. Como estratégias metodológicas recorremos a entrevista em profundidade com roteiro e o diário de campo. Os colaboradores foram constituídos por 5 pessoas que se declararam como pessoas transgêneras e que passaram por atendimento psicológico em Natal, e por 5 psicólogos da cidade de Natal que atenderam pessoas trans. A análise e interpretação das narrativas foi baseada em princípios hermenêuticos-dialéticos que buscaram interpretar o contexto, as razões e as lógicas de falas, ações e inter-relações entre grupos e instituições. A partir do diálogo com as narrativas chegamos a três eixos temáticos: A construção do saber sobre as identidades de gênero na psicologia; Revisitando a psicoterapia com pessoas transgêneras; e, Psicoterapia e transgeneridade: o que temos a aprender? No primeiro eixo identificamos a transexualidade compreendida como um caminho fluido, em trânsito, não conforme com a cisnorma. Mas, pudemos perceber também, associações ao sofrimento, alguns equívocos ainda em relação a linguagem, a conceitos fundantes da existência, principalmente no que se refere ao sistema sexo-gênero, e a sexualidade/identidade de gênero. A respeito das formações, observou-se uma total ausência de matérias específicas no currículo da graduação dos nossos entrevistados sobre gênero e sexualidade. No segundo eixo constatamos que todos os entrevistados tiveram experiências negativas com os primeiros profissionais que buscaram, já em relação aos psicoterapeutas com os quais estavam em atendimento no momento da entrevista atribuem somente sentidos positivos para estas relações. A respeito dos profissionais, apareceram medos e inseguranças frente a uma demanda “nova”, o aprendizado sobre gênero ocorre a partir da experiência prática e a trans-formação pessoal e profissional em uma psicoterapia que cura a dois. Discutimos, também, o papel do laudo psicoterápico, divergindo entre a tutela e a libertação. No terceiro eixo encontramos uma necessidade urgente de mais conhecimento sobre as demandas de gênero nas formações em psicologia. A suspensão fenomenológica como característica essencial para entrar em contato com a demanda, assim como atitudes do psicoterapeuta de empatia, respeito, acolhimento, aceitação e abertura e olhar emancipatório. E, por fim, o reconhecimento que a discussão das identidades de gênero diz respeito a todos, trazendo como essencial o processo pessoal de terapia e/ou autoconhecimento e desconstrução dos próprios preconceitos. Ancorados nos princípios dos direitos humanos, e entendendo a saúde como direito inalienável de toda e qualquer pessoa, este estudo espera proporcionar reflexões capazes de auxiliar psicólogos que lidam com as pessoas transexuais no seu cotidiano de trabalho, trazendo pistas para promoção de uma psicoterapia mais sensível às demandas de pessoas não-cisgêneras.