ABORTO: UM FENÔMENO SEM LUGAR. UMA EXPERIÊNCIA DE PLANTÃO PSICOLÓGICO A MULHERES EM SITUAÇÃO DE ABORTAMENTO.
Plantão Psicológico; Clínica Fenomenológica; Aborto; Saúde Pública; Hermenêutica heideggeriana.
O presente estudo discorre sobre a experiência de um serviço de plantão psicológico na Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC) na cidade de Natal e apresenta como objetivo principal investigar os limites e possibilidades dessa prática ao oferecer atendimento para mulheres em situação de abortamento. O Ministério da Saúde considera o aborto um grave problema de saúde pública no Brasil e reconhece as repercussões que este provoca na vida pessoal e familiar das mulheres, principalmente as jovens, em plena idade produtiva e reprodutiva, que se não forem amparadas podem sofrer graves sequelas físicas e psicológicas. Esta pesquisa insere-se no campo das práticas psicológicas em instituição e visam oferecer, por meio de modalidades diversas, entre as quais o plantão psicológico, uma atenção psicológica nas instituições. A atenção refere-se ao acolhimento do sofrimento no momento da crise e nos mais diversos contextos onde se faça presente uma demanda. Os resultados foram analisados à luz da hermenêutica heideggeriana, que busca um determinado aspecto da realidade que se pretende conhecer/compreender, acompanhando o próprio movimento do homem em sua existência. Elegemos a cartografia e o diário de bordo escrito na forma de narrativa como recursos que possibilitam uma aproximação da experiência cotidiana. O plantão foi realizado no setor de curetagem da MEJC no período de março de 2013 a fevereiro de 2014, todas as terças e quintas, das 9h às 12h. A trama existencial destecida nessa experiência revelou algumas possibilidades e limites da prática do plantão no contexto estudado. Entre as possibilidades, o plantão favoreceu às mulheres em situação de abortamento a produção de novos sentidos, como: perceber a necessidade de retomar o cuidado de si; ver no encaminhamento para a psicoterapia uma possibilidade de lidar com a perda vivenciada ou com outras questões de suas vidas; ampliar suas possibilidades de escolha; repensar sua vida sexual e reprodutiva, e rever suas relações afetivas e seus projetos de vida. O plantão apresentou-se como um dispositivo de cuidado em saúde ao sensibilizar as mulheres a buscar as condições necessárias para cuidar de sua saúde e a questionar o que naquele ambiente era encarado como natural. O plantão revelou-se como uma prática condizente com as demandas da saúde pública ao criar/inventar modos de atender às necessidades das mulheres. O plantão promoveu uma abertura no horizonte técnico das mulheres, o que foi visto a partir do aparecimento de demandas para além da saúde física. Quanto aos limites, algumas demandas extrapolaram o serviço de plantão e exigiram encaminhamento para acompanhamento psicológico e outros serviços especializados. O plantão não conseguiu abarcar a totalidade das demandas existentes no setor. O plantão não sensibilizou a equipe de saúde quanto à sua procura e quanto a uma mudança de postura para além do saber técnico. O plantão embora não tenha realizado mudanças concretas nesse contexto, denunciou suas principais dificuldades, como o despreparo da equipe de saúde em lidar com o aborto para além dos procedimentos técnicos, e a precariedade da infraestrutura e dos serviços oferecidos. Por fim, o plantão representou uma morada para as mulheres em situação de abortamento permitindo que o seu sofrimento tivesse um lugar.