As práticas integrativas grupais e sua inserção nos serviços de saúde da atenção básica: um diálogo com a educação popular
Práticas integrativas grupais; atenção básica em saúde; educação popular
Ainda que o modo hegemônico de produção de cuidado, com base no saber médico cientificista e em padrões objetivistas, negligencie o princípio da integralidade e da humanização, evidencia-se a emergência de práticas e perspectivas de cuidado que dialogam com os aspectos históricos e sociais, com as vivências subjetivas e os saberes culturais dos sujeitos que demandam atenção em saúde. Nesse sentido, tendências contra-hegemônicas de resistência, organizadas pelos movimentos progressistas dos setores de saúde e pela sociedade civil, acenam como possibilidade de rompimento com o modelo biomédico e avançam na produção de novos saberes e práticas de saúde. Assim, as práticas integrativas afiguram-se como um dispositivo para tencionar as relações de poder vigentes na sociedade, em especial no campo da saúde pública, abrindo a possibilidade de problematização acerca da garantia da integralidade, numa perspectiva dialógica, emancipadora, participativa e criativa, que articula saberes, práticas, vivências e espaços de saúde. (Luz, 2009; Pinheiro & Mattos, 2004). O trabalho educativo passou a representar um dos principais pilares na mudança de perspectiva de atuação, no qual a educação popular se constitui como norteadora da globalidade das práticas, na medida em que dinamiza, desobstrui e fortalece a relação com a população e seus movimentos organizados (Vasconcelos, 2001).Das problematizações cunhadas até o momento, advém a principal questão de pesquisa norteadora desse estudo: como as práticas integrativas grupais (PIGs) se inserem nos serviços de saúde da atenção básica e quais as possíveis contribuições em termos de reorientação de outras racionalidades em saúde? Sem desejar minimizar as práticas integrativas individuais, a opção pelas atividades grupais justifica-se em razão das estratégias de intervenção em grupo constituírem redes sociais de apoio social. As pessoas, ao participarem de algum grupo, no qual passam pelos mesmos problemas ou vivem situações que afetam o bem-estar e a saúde, estabelecem intercâmbio de vivências que é benéfico tanto para quem ajuda quanto para aquele que é beneficiado com a experiência dos outros participantes (valla, 2001). Objetivos: O presente estudo tem como objetivo geral analisar a inserção das práticas integrativas grupais nos serviços de saúde da atenção básica e suas possíveis contribuições em termos de reorientação de outras racionalidades em saúde. Quanto aos objetivos específicos, visa: 1) mapear e caracterizar as práticas integrativas grupais existentes nos serviços da atenção básica em saúde; 2) investigar as racionalidades, princípios e concepções de saúde, cuidado, cura e tratamento sustentam as práticas integrativas grupais; 3) averiguar se as práticas integrativas grupais se articulam com o contexto macro da política de saúde e com outras políticas; 4) identificar se os serviços de saúde aderem a novas formas de cuidado como as práticas integrativas grupais, que requerem outras experiências e concepções de saúde; 5) analisar o processo grupal e os saberes produzidos no contexto das práticas integrativas. A pesquisa teve como cenário os serviços de saúde da atenção básica, mais especificamente, Unidades Básicas de Saúde e Unidades Básicas de Saúde da Família, do município de Natal-RN, e como participantes os profissionais que atuam em práticas integrativas grupais e usuários que participam desses grupos. O presente estudo adotou a estratégia da pesquisa participante enquanto método de apreensão da realidade. Na concepção de Rizzini, Castro & Sartor (1999), a pesquisa participante é um método ou estratégia de pesquisa concebida a partir dos problemas vividos pela população pesquisada, com a participação dos grupos sociais diretamente envolvidos na problemática e em todo o processo de conhecer e transformar a realidade. Dentre as diversas configurações da pesquisa participante, para fins desse estudo será adotada a estratégia da observação participante, realização de rodas de conversa, entrevistas semiestruturadas e a utilização de instrumentos como o diário de campo, para observações individuais, e roteiro de observação para as atividades grupais. A pesquisa foi desenvolvida a partir das seguintes etapas: 1) Pesquisa documental: consulta a documentos que compõem a história das práticas integrativas no RN e no município de Natal, tais como relatórios das comissões para elaboração da política de práticas integrativas e a portaria da política de práticas integrativas, publicada em 2011; 2) Identificação dos equipamentos de saúde e profissionais da atenção básica que atuam em PIGs: realização de visita aos estabelecimentos da atenção básica em saúde, consulta ao Cadastro Nacional de estabelecimentos em Saúde- CNES e pesquisas em redes sociais, a fim de mapear equipamentos e profissionais que desenvolvem práticas integrativas grupais; 3) Identificação e caracterização das PIGs: será realizada uma caracterização das práticas com a finalidade de selecionar aquelas que possuem um caráter de metodologia participativa; 4) Inserção nos serviços de saúde da atenção básica e as PIGs: constitui uma imersão na realidade dos serviços e grupos, com vistas a observar o cotidiano das práticas e ensejar uma inserção da pesquisadora na comunidade. 5) Entrevista com os profissionais que atuam em PIGS: identificação do perfil sócio demográfico e de formação, bem como aspectos pertinentes à inserção dos mesmos nas práticas integrativas grupais; 6) Encontro coletivo com os profissionais de PIGs: realização de rodas de conversa com os profissionais de saúde que atuam em práticas integrativas grupais, na perspectiva de investigar o modo de inserção dessas intervenções no serviço; 7) Observação-participante das PIGs: análise das etapas do processo grupal, seus fundamentos teórico-metodológicos, participação dos usuários, temas geradores e relação facilitador e participantes. Todas as observações e entrevistas foram sistematizadas, transcritas textualmente e submetidas aos procedimentos de análise qualitativa a partir da utilização do software QDA Miner. Finalmente, mediante leitura exaustiva das informações registradas, foram delimitados alguns núcleos temáticos, os quais serão articulados e confrontados com o referencial teórico produzido durante todo o processo da pesquisa. Os dados parciais apresentados dizem respeito às duas primeiras etapas desse estudo, que consistiram, inicialmente, numa pesquisa documental, e, em seguida, num mapeamento dos equipamentos e profissionais de saúde dos serviços da atenção básica, que atuam em PIGs, no município de natal/RN. Em termos gerais, foram contactados 37 equipamentos de saúde da atenção básica, entre Unidades Básicas de Saúde e Unidades Básicas de Saúde da Família, dentre as quais 19 realizam alguma prática integrativa, individual ou coletiva. Ressalta-se que 95% das PIGs estão na Estratégia de Saúde da Família, localizadas nos Distritos Norte I e II, Sul, Leste e Oeste, com uma concentração mais significativa nos Distritos Norte, nos quais foram identificadas 08 práticas grupais. Em termos gerais, foram identificadas 15 modalidades de PIGs, a saber: Relaxamento, meditação e yoga, Tai chi chuan, Grupos de suporte mútuo, Cuidadores de Alzheimer, Tenda do Conto, grupo de prosa com mulheres, grupo de bordadeiras, grupo de idosos, grupo de caminhadas, grupo de terapia e arte, grupos de contação de histórias, terapia comunitária e teatro do oprimido. Quando se refere aos profissionais, identifica-se a presença de 57 profissionais de saúde envolvidos com as práticas integrativas grupais, dos quais 28% são agentes comunitários de saúde, 15,7% são enfermeiras, 14,3% são educadores físicos, 12,28% são médicos, 7,18% são nutricionistas, 5,27% são psicólogos, 5,27% são auxiliares de enfermagem, 5,7% são dentistas, 3,5% são fonoaudiólogos, 1,75% é assistente social e 1,75% é farmacêutico. Convém assinalar, a participação expressiva dos trabalhadores e trabalhadoras agentes comunitárias de saúde, nas práticas integrativas grupais, que se revelam verdadeiras potências terapêuticas nos territórios de saúde. De acordo com Lancetti (2009), os agentes comunitários de saúde, quando articulados com outros parceiros da organização sanitária, pela sua condição paradoxal, pois são ao mesmo tempo membros da comunidade e integrantes da equipe de saúde, são fundamentais para fazer funcionar os equipamentos e práticas de saúde.