Ações de cuidado nas relações intrageracionais em crianças em acolhimento institucional
Acolhimento Institucional, Interação Afetiva, Ações de cuidado
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) as crianças e adolescentes são concebidos como sujeitos de direitos, com prioridade absoluta e em condição peculiar de desenvolvimento. Assim, uma vez violados ou ameaçados esses direitos, serão aplicadas medidas de proteção. No âmbito dessas medidas é proposta, no referido Estatuto, a medida de acolhimento institucional, de caráter transitório e excepcional. Ao ser afastada do convívio familiar e comunitário e acolhida em uma instituição, a criança é inserida em um novo contexto de desenvolvimento, portanto, com novas pessoas, novos espaços, novas relações. Segundo a Psicologia Sócio-Histórica, suporte teórico deste estudo, cada contexto de socialização apresenta demandas específicas que influenciam no desenvolvimento da criança e a subjetividade é constituída a partir das relações que o sujeito estabelece em cada um deles. Esses contextos trazem para ela desafios e propostas às quais ela tem que responder. Considerando, então, que é na relação com o outro que o sujeito se constitui, as interações estabelecidas no período de acolhimento serão de suma importância para a criança. Dentre essas interações, podemos citar as situações que envolvem aspectos do desenvolvimento moral, mais especificamente, aquelas em que comparece (ou não) o exercício das virtudes. Da intercessão entre essas ações podem surgir, então, ações de cuidado para além daquelas que envolvem o suprimento de uma necessidade emergente. O objetivo deste trabalho é investigar a presença de relações cotidianas permeadas por ações de cuidado entre as crianças em acolhimento institucional. Para o seu alcance participaram três crianças, com três anos de idade, em medida de acolhimento institucional. A pesquisa tem caráter qualitativo e o procedimento para construção do corpus foi, principalmente, a observação participante. Procedimentos com vídeo e livros de história também foram utilizados como complementares. A análise do corpus deu-se através da Análise de Conteúdo Temática; os episódios foram agrupados em categorias de análise pré e pós-estabelecidas. As pré-estabelecidas foram ações de cuidado, ações de cuidado relacionadas com o cuidado para com o corpo, ações de cuidado relacionadas a aspectos sócio afetivos e ações de cuidado relacionadas ao cuidado do corpo e aspectos sócio afetivos, simultaneamente. As duas categorias pós-estabelecidas foram desmembramentos das anteriores, denominadas ações de cuidado desenvolvidas na interação criança-criança, sem intervenção de um adulto, e ações de cuidado desenvolvidas na interação criança-criança, com intervenção direta da educadora. As análises indicaram que na interação cotidiana entre as crianças acolhidas, elas identificam as necessidades físicas e sócio afetivas umas das outras, e se dispõem a supri-las da maneira que lhe for possível, acentuando a importância da brincadeira e os momentos lúdicos como mediadores nessas interações. As ações de cuidado observadas são pautadas em conceitos e interpretações formulados pelas próprias crianças a partir de suas experiências e em grande parte, remetem ao cuidado materno. A condição de estarem afastadas do convívio familiar pode ser um elemento que possibilita essas ações. Por fim, reafirma-se a importância de conceber a instituição de acolhimento enquanto espaço de socialização e de cuidado. Decorre a importância de se valorizar e fortalecer os aspectos positivos que se apresentam nas relações estabelecidas pelas crianças nesse contexto, incluindo as ações de cuidado, objeto desta pesquisa, que são constituintes da subjetividade dessas crianças.