TRAJETÓRIA DOS ASSENTAMENTOS RURAIS FINANCIADOS PELO CRÉDITO FUNDIÁRIO NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE: UMA ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA DO ASSENTAMENTO DA FAZENDA PAZ NO MUNICÍPIO DE MAXARANGUAPE/RN.
Desenvolvimento rural. Reforma Agrária Assistida de Mercado. Programa Nacional do Crédito Fundiário. Assentamento da Fazenda Paz.
A Reforma Agrária Assistida de Mercado (RAAM) vem se constituindo em uma alternativa de reforma agrária financiada pelo Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF), instituído pelo Governo Federal por intermédio do Decreto Nº 4892, de 25 de novembro de 2003. Trata-se de uma política de aquisição, distribuição e utilização da terra disseminada ideologicamente e financiada pelo Banco Mundial na perspectiva da inserção produtiva de trabalhadores rurais sem terra em todos os estados das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste, além dos estados de Tocantins e Rondônia, na região Norte do país. Partindo dessa constatação, este estudo procura analisar a trajetória dos assentamentos rurais financiados por esta política, tomando como referência o Projeto de Assentamento da Fazenda Paz, no município de Maxaranguape, no estado do Rio Grande do Norte. Para isto, foram utilizadas pesquisas bibliográfica e documental, além de visitas ao assentamento e realização de entrevistas semiestruturadas com os assentados, lideranças sindicais, consultores e técnicos ligados ao projeto. Os resultados obtidos evidenciaram a existência de um empreendimento bastante complexo, com uma área total de 607 hectares e 80 famílias assentadas, dotado de água de boa qualidade e infraestrutura de irrigação, com um patrimônio de aproximadamente R$ 4 milhões de reais. A experiência vivenciada pelos assentados compreendeu o desenvolvimento de complexos sistemas de produção e comercialização de frutas e hortaliças, com destaque para a cultura de mamão numa área de 45 hectares com base em moderno sistema de irrigação e uso intensivo de tecnologia. A gestão coletiva da produção, da comercialização, das receitas e dos custos destacou-se como um grande desafio para os assentados e suas organizações representativas, isto é, a Associação comunitária e a Cooperativa. A partir desta constatação foi possível identificar dois momentos na trajetória do Projeto: o primeiro, entre 2007-2011, considerado pelos entrevistados como exitoso, onde a integração de políticas públicas e a entrada abundante de receitas provenientes da comercialização dos frutos da Paz, principalmente através da venda do mamão e do abacaxi nos mercados nacional e internacional, permitiram uma remuneração média de R$ 800,00 a R$ 1.000,00 por assentado/mês, além da produção de hortaliças e de outros tipos de produtos para a venda e o autoconsumo; o segundo, a partir de 2012, caracterizado como um fracasso, em virtude da descontinuidade do cultivo, da produção e da comercialização de frutas com base no modelo coletivo de trabalho implantado. A produção no assentamento mostrou-se altamente dependente de insumos industriais, reforçando e legitimando o poder dos impérios alimentares sobre a agricultura familiar, além de gerar uma pequena margem de receita líquida por cada assentado. Dificuldades relacionadas com a gestão da produção, da comercialização e das finanças foram consideradas importantes para explicar a descontinuidade do projeto. No entanto, foram as instituições informais aquelas julgadas mais relevantes para explicar o fracasso do referido sistema pelos entrevistados, em particular a assimetria de informações e a quebra de confiança entre a diretoria da Cooperativa e os associados. Além disto, a delegação da gestão do projeto para uma associação e uma cooperativa recém-constituídas e para um quadro social heterogêneo, composto por assentados de origens distintas e com baixo capital social, resultou no distanciamento das organizações governamentais mais diretamente responsáveis pelo Projeto e no agravamento das dificuldades encontradas na gestão social ali implementada. Conclui-se, portanto, que a reforma agrária de mercado não constitui uma boa política, pelo menos não da forma como é executada e defendida pelos teóricos do Banco Mundial e seus seguidores. Ademais, torna-se preciso pensar o desenvolvimento rural como um fenômeno multidimensional, demandando um amplo envolvimento entre Estado e sociedade.