À SOMBRA DO OUTRO OUVINTE: valorações da língua portuguesa na constituição identitária de surdos
Estudos Surdos. Valoração. Identidade.
O curso de Letras – Libras/Língua Portuguesa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) foi criado em 2009 e representa um grande avanço no contexto acadêmico-científico local. Diferentemente de outras graduações em Letras – Libras encontradas pelo país, a da UFRN apresenta no Projeto Pedagógico do Curso (PPC), para além do núcleo-base, um enfoque em componentes curriculares voltados ao português como segunda língua. Considerando esse curso como o nosso lócus investigativo, neste trabalho objetivamos 1) discutir a valoração atribuída à língua portuguesa na construção das identidades de surdos e 2) caracterizar os contextos socioculturais em que a língua portuguesa é valorada, no que se refere à construção das identidades de surdos. Situados na linguística aplicada, de vertente inter/transdisciplinar, tomamos como aporte teórico os Estudos Surdos (PERLIN, 2003; LADD, 2005), os Estudos Culturais (HALL, 2006; BAUMAN, 2005), e os pressupostos do Círculo de Bakhtin (BAKHTIN, 2011; VOLÓCHINOV, 2017). Nosso corpus é composto de uma roda de conversa em Libras, com a presença de cinco surdos, que foi gravada e, posteriormente, traduzida para o português. Amparados numa abordagem qualitativa, de paradigma interpretativista, procedemos à leitura preliminar do corpus, momento em que as seguintes categorias de análise emergiram: relações familiares, emoções e sentimentos, experiências educacionais e lugares e espaços. Os nossos resultados sugerem que os posicionamentos axiológicos dos sujeitos de pesquisa apontam para a língua portuguesa como traço indissociável da constituição identitária; necessária à ascensão no mercado profissional; indiferente (não desperta emoção); sacrifício, atividade desgastante; obrigação; causa de embaraço; importante, durante o contato social. Lembramos que as posições dos nossos sujeitos frente à língua portuguesa não estão dissociadas de um contexto semântico-axiológico: elas se revestem de um sentido maior se tomadas como substância viva na circunstância discursiva. Os pontos de vista deles estão imersos em redes valorativas, originadas dos diferentes interesses sociais e das tensões entre relações de poder assimétricas.