A TRADIÇÃO DISCURSIVA EM AUTOS NATALINOS BRASILEIROS
Auto Natalino. Tradição Discursiva. Formulaicidade. Atos de Fala. Canto. Performance.
Este estudo incorpora diversas áreas do conhecimento ao campo da linguística, uma vez que centra a historicidade social dos folguedos de natal, a partir de duas propostas analíticas: a presença das fórmulas linguísticas, em sua macroestrutura, dentro do paradigma das tradições discursivas seguindo Kabatek (2006), Koch e Oesterreicher (2007) e a teoria dos atos de fala, em sua microestrutura, propostos por Austin (1990) e Searle (1995). Com Zumthor (1993; 1997; 2000; 2005; 2010), aludimos a ideia de movência textual, evidenciando que o texto sempre sofre mudanças considerando a performance e recepção nos usos da linguagem. A partir desse arcabouço teórico, centramo-nos no trinômio fórmulas linguísticas, oralidade e performance a fim de descrever as dinâmicas de permanência, variação e mudança que se estabelecem nesses textos, evidenciamos ainda como as relações extralinguísticas socio-históricas e culturais influenciam na composição. Tal discussão, mais precisamente, instala-se na Análise do Texto, ao realçarmos a tradição da oralidade como suporte linguístico. O texto, por sua vez, efetiva-se como evocação, motivados pela transmissão, recepção, e movência, a partir de sua conservação e reiteração. Naturalmente, optamos por um suporte metodológico baseado na pesquisa quali-quantitativa, evidenciado por Flick (2009), que respalda o corpus composto por cantos de Folias de Reis brasileiras e de Bois de Reis potiguares. Procedemos, desse modo, o olhar analítico, observando as dinâmicas da linguagem subjacente à tradicionalidade que se efetiva pelo uso de uma memória social partilhada. Na cosmovisão da religiosidade popular, em que as atividades mnêmicas têm um caráter didático, a memória é “partilhada, reelaborada, e, ressignificada em um constante processo de movência e nomadismo” (SÁ JÚNIOR, 2009) a partir de duas dimensões: na primeira, evoca a sacralização (religioso), em que erige a devoção à histórica bíblica; na segunda, a dessacralização com valores identitários e ideológicos, constituintes culturais de um povo. O canto demonstra nesse impulso lúdico uma atividade contextualizada. Resulta, portanto, a seguinte conclusão: verificamos que os processos de mudança e permanência nas macro e microestruturas textuais dos cantos ocorrem, ao mesmo tempo, pelo ajustamento ao uso do texto que cumpre uma função político-social e outra ético-pedagógica; em tese são as relações sociais que avivam a tradicionalidade, eta por sua vez evoca a movência e o nomadismo no texto.