Trauma multitemporal: a ficcionalização da ditadura civil-militar em três romances brasileiros contemporâneos
Ditadura civil-militar; trauma; K. – Relato de uma busca; Cabo de guerra; A noite da espera.
Esta tese tem por objetivo investigar o processo de ficcionalização da ditadura civil-militar (1964-1985) nos romances: K. – Relato de uma busca (2014), de Bernardo Kucinski; Cabo de guerra (2016), de Ivone Benedetti; e A noite da espera (2017), de Milton Hatoum. Nesse sentido, ancorando-se em Antonio Candido (1993; 2006), ao buscar compreender como a experiência autoritária brasileira se manifesta na estrutura formal dessas obras, observamos que a recorrência da vivência traumática é um elemento comum nas três narrativas, se manifestando em diferentes épocas. Diante disso, nosso estudo analisa os três romances a partir do conceito de trauma proposto por Márcio Seligmann-Silva (2000; 2003; 2005), dando especial atenção ao papel da multiplicidade temporal na construção estética das obras selecionadas. Adicionalmente, em termos de constatação, notamos que a condição de exilado e o sentimento de culpa exercem uma função potencializadora das experiências traumáticas nas narrativas estudadas. Com isso, os romances analisados evidenciam uma tendência da literatura publicada na última década (2011-2020) em expor, por meio de narradores e/ou protagonistas situados no presente, a permanência e a intensificação dos traumas vividos antes, durante e depois da ditadura. Ao identificar a recorrência desse tipo de composição narrativa, vislumbramos a formação de uma nova vertente na ficção literária brasileira, sendo que sua principal característica é o desvelamento de uma condição traumática que se perpetua no tempo. Nesse sentido, a experiência transbordante se formaliza na estrutura das obras por meio de uma temporalidade não linear, que mimetiza o caráter caótico da rememoração em indivíduos submetidos a vivências excessivamente dolorosas. Assim, a ausência de punições e respostas devidas faz com que a ditadura permaneça sendo um trauma multitemporal na vida brasileira. Sua formalização na escrita literária é, ao mesmo tempo, um grito de esperança contra a censura e um indicativo da persistência de nossa herança autoritária.