Memória atávica: a estética da loucura em Mario Quintana
Loucura. Memória. Poesia. Quintana. Sociedade.
Este trabalho tem como objetivo investigar as acepções do termo loucura e de seus numerosos derivados na obra do poeta Mario Quintana (1906-1994). Por pouco mais de meio século, o escritor gaúcho entrelaçou insistentes imagens em um plano estético unificado, com vistas a questionar os conceitos de razão e de consciência. O poema Atavismo (1977) ofereceu-se para servir ao mesmo tempo enquanto ponto de partida e eixo central para nossas análises. Conduzido por Atavismo, este estudo observou que os termos loucura e poesia têm ambos a mesma gênese: uma memória atávica. Por isso, foi preciso que considerássemos as inferências sobre o atavismo, conceito das ciências biológicas relativo a um tipo especial de memória e, também, a memória ela mesma. Na redundância proposital formada pelo adjetivo atávica e pelo substantivo memória, o poeta nos induz à percepção de que a discussão sobre a loucura/poesia orbita em torno de um problema coletivo, isto é, social, em sua relação com os tempos e com os valores dos tempos. A compreensão assumida é a de que o(s) termo(s) loucura/poesia erige(m)-se como antítese de formas específicas das configurações sociais vigentes, sejam elas políticas, artísticas, econômicas ou culturais. É na busca do entendimento dessa antítese que apregoa formas mais espontâneas de vida que este trabalho finaliza seus esforços, apurando as figuras e recursos estéticos com os quais o poeta incorporou seu intento: a criança, o louco, Trebizonda e outros adidos no elenco linguístico quintaniano. Por trabalharmos com uma poética bem articulada em si, a leitura interligada dos poemas de Mario Quintana sustenta-se por si mesma, mas não se institui necessariamente hermética, exclusiva. Sendo esta uma pesquisa qualitativa e não havendo fortuna crítica que verse sobre a temática, a melhor forma de trabalho é, antes de tudo, a leitura atenta dos poemas e a anuência de suas próprias vozes. Entretanto, isso não impede que lancemos mão de outros textos e elementos elucidativos que subsidiam esta pesquisa com aportes teóricos, críticos, estéticos e filosóficos. Dessa forma, é de grande valia a intersecção dos poemas com outras vozes tais quais Sófocles (497?–406? A.C.), Shakespeare (1560?-1616), Machado de Assis (1839─1908), Mikhail Bakhtin (1895-1975), Henri Bergson (1859-1941), Maurice Halbwachs (1877-1945), Salvador Dalí (1904-1989), Jacques Le Goff (1924─), Michel Foucault (1926─1984), Ecléa Bosi, dentre outras. Tais vozes impulsionam apontamentos críticos mais ricos acerca de uma obra brasileira propagada durante uma vida inteira em defesa de uma humanidade além da lógica cartesiana.