Entre mulheres e fronteiras, um escritor: lugares do feminino na obra de Lima Barreto (1902-1922).
Lima Barreto. Literatura. Mulheres. Lugares masculinos e femininos.
O período entre os anos de 1902 a 1922 correspondem à trajetória de Lima Barreto, seja no universo das letras brasileiras, na repartição da Secretaria da Guerra ou ainda em tantos outros espaços onde ele circulou e pôde observar as diversas transformações em curso na cidade do Rio de Janeiro, como as práticas e ações discursivas que instituíam a distribuição de lugares sociais masculinos e femininos, baseada nas convenções de gênero. Nesse contexto se demarcavam, como espaços de atuação para a mulher, os ambientes privados da casa. Enquanto, para os homens, se destinavam os espaços públicos, como as repartições públicas, o parlamento, entre outros. Durante esse período, o escritor produziu crônicas, contos, romances, nos quais apresenta uma variedade de imagens e enunciados em torno do que seria ser mulher. Nessa perspectiva, a investigação proposta no trabalho busca analisar os lugares do “feminino” presente nos escritos do autor. A mulher barretiana é apresentada, nos espaços público e doméstico, como figura submissa, de capacidade intelectual limitada. E, ao mesmo tempo e de forma contraditória, ela é inscrita, quando se apresenta nos espaços públicos, como figura transgressora dos limites dos lugares sociais impostos e capaz de empreender mecanismos de subversão da ordem da dominação masculina sobre ela. Dessa maneira, tais elaborações sobre as mulheres foram examinadas em conexão com a historicidade da vida e da obra do escritor, buscando, assim, acolher também à interpretação dessas cartografiasfemininas e entender as ambiguidades barretianas, nas quais, residia a coexistência de um Lima Barreto delator das mazelas vividas pelas mulheres e, ao mesmo tempo, avesso ao alvorecente movimento feminista, um crítico das certezas uniformizadoras da diversidade das pessoas e, no entanto, muitas vezes, complacente com os discursos científicos e costumes regrados masculinos que desqualificavam a mulher. As fontes estudadas foram correspondências, anotações pessoais, artigos e crônicas e, especialmente, os romances Clara dos Anjos, Numa e a Ninfa, Triste Fim de Policarpo Quaresma e Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá. Para efetivação da pesquisa, as abordagens teóricas se ancoraram nas contribuições de Michel Foucault, Félix Guattari e Suely Rolnik, com as acepções de heterotopia e subjetividade respectivamente, além do aporte teórico-metodológico de Judith Butler, a partir de sua acepção de gênero. Suportes que autorizaram a interpretação da historicidade dos agenciamentos “do feminino”, operados pelo autor, como registros discursivos das experiências vividas por ele ao longo de seu trajeto.