“O CÉREBRO ELETRÔNICO FAZ TUDO / QUASE TUDO / MAS ELE É MUDO”: UM OLHAR (PO)ÉTICO SOBRE A INVESTIDA DE AUGUSTO DE CAMPOS NO SUPORTE COMPUTADOR
Augusto de Campos; Despoesia; Tecnocultura; Poesia brasileira contemporânea; Antropoceno.
Cartografar, mapear, traçar rotas: este é o objetivo deste trabalho. A partir da incursão do poeta, tradutor e ensaísta Augusto de Campos naquilo que Virilio (1999) nomeou de tecnocultura, investigamos, ao mesmo tempo, literatura e sociedade, corpo e máquina, criador e criatura, mundo social e mundo natural, numa perspectiva epistêmica que questiona o regimento de desenvolvimento moderno, em parentesco com vozes teóricas diversas, situadas num escopo que vai desde a teoria/crítica literária (Burgüer, 2000; Paz, 1990; Pound, 1990; Risério, 1998; Schwartz, 1983, 2022), a filosofia (Benjamin, 1997; Deleuze e Guattari, 2010; Haraway, 2009, 2023; Latour, 2009, 2014; Lyotard, 2021), a antropologia (Danowsky e Viveiros, 2017) e a teoria da comunicação (Machado, 2010; McLuhan, 1971) até a economia (Tavares e Belluzzo, 2002; Fonseca, 2014) e a semiótica (Peirce, 2008). Utilizando como ponto de partida os pressupostos da etapa ortodoxa do concretismo brasileiro, analisamos a trajetória de Campos até o momento pós-concreto (Aguilar, 2005; Vieira, 2015) de sua atuação, observando o distanciamento do autor da fase primeira do concetismo em face da convergência desta po-ética com os fenômenos do mundo social, daí que o conceito de Antropoceno nos serve de plataforma para a reflexão da trajetória do artista. Identificamos, então, que o corpo de Campos se desconcretiza, contrariando a retórica determinista segundo a qual a sua atividade crítico/criativa arregimenta a tradição dos precursores (Santaella, 2004), de modo a tutelar uma incursão sob signo da antecipação. Para a elaboração dessa perspectiva, utilizamos como corpus o livro Despoesia (2016), no qual nos detemos especificamente sobre os poemas “Coração cabeça” e “Poema bomba”, em suas versões expressas no suporte computador e na disposição sobre a folha do papel, atentando para as particularidades de cada inscrição sígnica e o referido paradigma ético de incorporação do contexto ciber nas criações. Além disso, discutiremos as produções mediadas pela eletrônica enquanto geradoras de um registro experimental inscrito na contemporaneidade, de modo a situar o corpo poético de Campos no tempo presente. Trata-se, portanto, de uma reflexão pós-moderna acerca da investida digital de Augusto de Campos, contemplando os incontornáveis problemas e afetações por que o termo incorre (ou carrega consigo).