VELHOS CRIMES, NOVAS HISTÓRIAS: NELSON RODRIGUES RECONFIGURA ELECTRA
Electra, Nelson Rodrigues, Comparação diferencial.
Os mitos gregos têm sido constantemente retomados na literatura moderna. Nomes como os de Ulisses, Orfeu e Electra têm figurado em obras que, mesmo ambientadas em contextos sócio-históricos diferentes daqueles aos quais esses mitos pertencem em sua forma clássica, interagem com a essas lendas gregas para, a partir delas, criarem novas narrativas, mais próximas das comunidades discursivas às quais esses autores pertencem. A reescritura, por parte de cada autor, de uma personagem clássica, inserindo-a em novo contexto, propicia também um novo viés de análise para os estudos comparativos em literatura, pois possibilita uma reflexão que considera não só a narrativa, mas também as características sóciodiscursivas presentes nesses textos, que devem igualmente ser compreendidos como novos. Neste trabalho, nossa perspectiva é analisar o mito de Electra, tal como aparece na trilogia Orestéia (458 a.C), de Ésquilo e sua retomada brasileira: a peça Senhora dos Afogados (1947), de Nelson Rodrigues. Nosso objetivo é mostrar como o dramaturgo brasileiro retoma o mito de Electra para reconfigurá-lo e, assim, contar uma nova história, mais pertinente ao Rio de Janeiro dos anos 1950. Ocorre que entre Ésquilo e Rodrigues, toda uma gama de autores estabeleceu diálogos com esse mito grego, apresentando em cada época em que ele se reconfigura diferenças fundamentais para que se entendam não só a reescritura ela mesma, mas também uma série de elementos contextuais e co-textuais que testemunham a configuração genérica de cada obra promovida seja pelo autor, pelo editor, pelo tradutor, em alguns casos, e até mesmo, pelo leitor. Para mostrar essas relações, procuramos percorrer o caminho que leva de Ésquilo a Nelson Rodrigues, detendo-nos principalmente em Eugene O’Neill (1931) autor com o qual Nelson Rodrigues interage explicitamente ao reescrever o mito grego para falar de sua época e de sua sociedade. Para a realização de nossa análise, tomamos como base a Comparação diferencial e discursiva proposta por Ute Heidmann (2003; 2010; 2012) e os estudos acerca da Análise do Discurso desenvolvidos por Dominique Maingueneau (2001; 2006).