ESPÉCIE-CHAVE CULTURAL E ETNOZOOLOGIA EM UMA ÁREA PROTEGIDA DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO: SUBSÍDIOS PARA PRIORIDADES DE CONSERVAÇÃO.
Chapada do Araripe, conhecimento ecológico local, espécie-chave cultural, conservação da fauna silvestre, semiárido brasileiro
O método para identificação de espécie-chave cultural (ECC) tem sido utilizado para definir espécies vegetais importantes culturalmente. Neste trabalho, este método ECC foi utilizado pela primeira vez para espécies animais, com os objetivos de identificar aquelas culturalmente relevantes, ampliar o conhecimento etnozoológico das espécies com importância local nas comunidades adjacentes à Área de Proteção Ambiental da Chapada do Araripe, Ceará, e, consequentemente, subsidiar prioridades de conservação. A metodologia consistiu da utilização de listas livres, entrevistas semiestruturadas e turnês guiadas. Foram entrevistadas 246 pessoas de dois grupos de comunidades: grupo 1 (comunidades situadas a uma distância < 2km da Floresta Nacional do Araripe) e grupo 2 (situadas a uma distância ≥ 2km); destas entrevistas, 35 foram realizadas com informantes-chave. Pela lista livre, foram citadas 53 espécies, distribuídas nas categorias de uso: alimentar, medicinal, artesanal e simbólico. Identificaram-se preferência alimentar para Mazama gouazoubira (17,43% das citações), e como recurso medicinal, Salvator merianae e M. gouazoubira com 51,85% das indicações de tratamento. No uso artesanal, destacou-se M. gouazoubira, que também foi a única espécie registrada para o uso simbólico. Os valores de uso (VU) encontrados variaram entre 0,03 e 1,34, sendo o de M. gouazoubira o mais alto (1,34); o conjunto destes destaques indica M. gouazoubira como ECC. Analisando o conhecimento local em relação aos grupos de comunidades e ao gênero, constatou-se que entre o grupo 1 e o grupo 2, assim como entre homens e mulheres, existiram diferenças significativas no conhecimento. As comunidades do grupo 1 e os homens desse grupo conhecem mais espécies animais do que o grupo 2; mas essa diferença não existiu entre as mulheres dos grupos estudados. Através da turnê guiada realizada em trilhas/estradas usadas pelos caçadores nas atividades de caçadas, confirmou-se a presença de 11 espécies por meio de vestígios (pegadas ou carcaças); 31,94% do total de registros foram de M. gouazoubira. Em relação ao conhecimento ecológico local sobre a ECC, M. gouazoubira é conhecida por veado comum e reconhecida por caracteres morfológicos, tais como tamanho corporal e chifre. Para 54,28% dos entrevistados, essa espécie ocorre em ambientes ricos em frutos silvestres, os quais constituem os itens alimentares consumidos mais informados (68,75%). Quanto à reprodução, 77,14% dos entrevistados não souberam informar, os demais afirmaram que essa espécie se reproduz o ano todo gerando um filhote. Para 22,88% dos entrevistados essa espécie é diurna, ágil e territorialista. A técnica de caça para a sua captura é a espera (100%), sendo percebida uma diminuição dessa espécie ao longo do tempo (91,42%). Esses resultados demonstram que o método ECC é uma ferramenta metodológica eficiente não só para identificar espécies animais culturalmente relevantes para comunidades locais e prioritárias para conservação, como para identificação de aspectos ecológicos e comportamentais associados à conservação da espécie considerada culturalmente chave. Destaca-se ainda como relevante o fato de que as comunidades locais poderiam se envolver/participar efetivamente no processo de conservação da(s) espécie(s) do(s) seu(s) interesse(s) cultural(is).