Amazônia meio vazia? Efeitos cascata de defaunação induzida por caça na Amazônia brasileira
Floresta vazia; Amazônia; mamíferos; aves; regeneração florestal; diversidade funcional; estoque de carbono.
A caça representa uma das maiores ameaças aos animais silvestres em todo o mundo e somada a perda e degradação de habitats tem causado declínio acentuado nas populações de mamíferos e aves nas florestas, fenômeno conhecido como defaunação. Em geral, as espécies mais intensamente caçadas estão envolvidas em processos chave na dinâmica florestal que incluem a polinização, dispersão e predação de sementes e herbivoria. A defaunação causa ruptura dessas interações ecológicas essenciais para a regeneração florestal o que pode comprometer criticamente a manutenção da diversidade vegetal e consequentemente os serviços ecossistêmicos fornecidos pelas chamadas “florestas vazias”. Desde a década de 90 estudos conduzidos nos Neotrópicos, África e Ásia tem investigado o efeito da depleção dos grandes vertebrados na regeneração florestal e até o momento foram encontrados efeitos antagônicos dependendo de quais interações ecológicas são mais afetadas e da metodologia de investigação empregada. Essa tese visa contribuir para o debate analisando os efeitos cascata de defaunação induzida por caça na Amazônia ocidental brasileira utilizando um gradiente de pressão de caça que varia de florestas peri-urbanas a sítios com baixas densidades humanas na região do Médio Rio Juruá, Amazonas. O primeiro capítulo analisa os efeitos diretos e indiretos da caça na assembléia de mamíferos e aves. Para isso, realizamos armadilhamento fotográfico no sub-bosque e no dossel utilizando 20 câmeras dispostas em um sistema de grid em 30 unidades amostrais distribuídas no gradiente de pressão de caça, o que representou um esforço amostral total de 22,005 câmeras/noite. Foram obtidos 10,419 registros pertencentes a 72 espécies de vertebrados. Os modelos lineares foram consistentes em indicar a pressão de caça como principal preditor da biomassa acumulada das espécies cinegéticas, terrestres, arborícolas, frugívoras-granívoras e roedores de pequeno porte. Esses resultados indicam que áreas mais intensamente exploradas apresentam estrutura de tamanho marcadamente alterada tanto pelo declínio das espécies de maior porte quanto pelo incremento na abundância de pequenos roedores evidenciando um possível mecanismo de compensação de densidade. O segundo capítulo aborda o efeito do gradiente de caça na estrutura da floresta de terra firme analisando mudanças na razão de abundância entre jovens e adultos de espécies arbóreas com diferentes síndromes de dispersão e discute como alterações na representatividade de alguns traços funcionais na comunidade afetam a provisão de serviços ecossistêmicos de florestas mais caçadas. A estrutura da comunidade arbórea de terra firme foi acessada em 30 parcelas permanentes de 0.25 hectares no qual 13,109 árvores, arvoretas e palmeiras foram marcadas, medidas e identificadas em 67 famílias, 275 gêneros e 876 espécies. Os resultados indicam uma tendência de decréscimo na abundancia de indivíduos jovens de espécies arbóreas dispersas por grandes vertebrados e aumento na abundância de espécies de dispersão abiótica, o que demonstra que as áreas mais intensamente caçadas já mostram evidências de efeito em cascata de defaunação na regeneração florestal, mesmo em uma paisagem de floresta contínua, onde os grandes vertebrados não foram totalmente extirpados. O terceiro capítulo, ainda em construção, tem como objetivo analisar se essas mudanças na estrutura vegetal refletem no estoque de carbono em florestas mais intensamente caçadas. O estoque de carbono será estimado e projetado para o futuro baseado em dados dendrométricos e de densidade de madeira coletados in situ no mesmo gradiente de pressão de caça dos demais capítulos.