ECOLOGIA DO MEDO: EFEITOS DO RISCO DE PREDAÇÃO NO COMPORTAMENTO, FISIOLOGIA E MORFOLOGIA DE PRESAS: INTERAÇÃO ENTRE FATORES FÍSICO-QUÍMICOS DO HABITAT E RECONHECIMENTO ESPECÍFICO DO PREDADOR
Respostas anti-predação, seleção de habitat para oviposição, trade-off, fitness, Lithobates catesbeianus, Aedes aegypti.
A seleção natural tende a favorecer estratégias anti-predação que minimizam o risco de mortalidade e maximizam o fitness individual e parental, moldando respostas que podem ser finamente ajustáveis ao contexto ambiental, influenciadas por trade-offs. Em ecossistemas aquáticos a detecção e reconhecimento de predadores ocorre principalmente por meio de pistas químicas na água. A resposta da presa às pistas do risco de predação podem ser mediadas por fatores ambientais bióticos e abióticos potencialmente interativos que ainda são pouco conhecidos. Organismos com ciclo de vida complexo, como insetos e anfíbios, tendem a ser muito responsivos a predadores ou suas pistas, constituindo excelentes modelos para estudar processos que envolvem tomada de decisão e plasticidade fenotípica em função do risco de predação. A seleção de habitat para oviposição é um desses processos e tem um papel fundamental na dinâmica de populações e estruturação de comunidades. Apesar da sua importância, ainda é escasso o conhecimento sobre o comportamento de fêmeas grávidas à procura de sítios de oviposição frente a um ambiente variando em múltiplos fatores indicadores de adequabilidade para sobreviência e desenvolvimento da prole. Tratando-se de espécies exóticas, as situações conflituosas diante da presença de predadores no ambiente invadido são ainda mais desafiadoras. Predadores aquáticos nativos são uma das principais barreiras ao estabelecimento de espécies invasoras, contribuindo para a persistência das espécies nativas e resistência da comunidade. Assim, o grau de invasibilidade e impactos gerados nos ecossistemas invadidos por espécies exóticas depende da sua capacidade em detectar e responder a sinais de predadores com os quais não coevoluíram. Ainda é pouco o conhecimento sobre como presas exóticas detectam pistas de predadores nativos na água e se e como respondem por meio de ajustes fenotípicos que podem impactar processos ecossistêmicos. A fim de melhor compreender estas questões e contribuir para o aporte de conhecimento sobre os temas, foi realizado dois experimentos correspondentes a dois cenários ecológicos das interações predador-presa. No primeiro (capítulo 1), testou-se o comportamento de seleção de habitat para oviposição em Aedes aegypti sob condições de adequabilidade do habitat multivariadas. Em um design fatorial 2×2×2, ofereceu-se às fêmeas containers artificiais com informações da presença ou ausência de (1) pistas do risco de predação e (2) adição de recurso, cruzadas com duas categorias de profundidade: habitat raso ou profundo. A Profundidade (P: F= 66.64, p= <0.0001) e o Recurso (S: F= 25.48, p= <0.0001) tiveram efeito individual significativo na proporção de réplicas ovipostas por fêmea. O Risco de predação sozinho não teve efeito individual significativo nesta variável resposta, porém seu efeito foi dependente da interação com o Recurso (R×S: F= 14.05, p = 0.0002). A Profundidade (P: F = 58, p = <0.0001) e o Recurso (S: F = 20, p = <0.0001) tiveram efeito individual significativo na proporção do número total de ovos ovipostos por fêmea. Novamente, o efeito do Risco foi dependente da interação com o Recurso (R×S: F = 10, p = 0.002). A interação Profundidade × Recurso (P×S: F = 8, p = 0.005) teve efeito significativo na proporção do número total de ovos ovipostos por fêmea. Estes resultados sugerem que Ae. Aegypti tem a capacidade de avaliar e responder de forma a evitar sítios de oviposição contendo pistas do risco de predação, porém de maneira complexa, por meio de trade-off com a disponibilidade de alimento para a prole. Fatores fisicoquímicos da adequabilidade do habitat influenciam a sobrevivência e desenvolvimento da prole de formas diferentes e fêmeas ovipondo parecem capazes de perceber e interpretar a importância relativa de cada um deles de maneira contexto-dependente, depositando pelo menos um ovo nos sítios considerados adequados e confiando um maior número de ovos nos mais adequados, como previsto pela teoria de maximização do fitness. No segundo cenário (cap. 2), avaliou-se a influência de um predador nativo (Belostoma sp.) no comportamento, fisiologia, morfologia e estequiometria da espécie exótica invasora Lithobates catesbeianus, a Rã touro americana. Girinos de L. catesbeianus foram submetidos a três tratamentos: (1) presença do predador engaiolado e alimentado com coespecífico, (2) presença do predador engaiolado e alimentado com peixe e (3) controle, sem predador. Diferenças entre o controle (3) e os tratamentos (1) e (2) indicam que L. catesbeianus responde ao risco de predação. Se os efeitos dos tratamentos (1) e (2) forem iguais, isto indica que L. catesbeianus detecta e responde a sinais químicos na água que provém do predador nativo em si e não de pistas provenientes da morte de coespecíficos. Foram analisadas a % de indivíduos ativos, % de agregação e % do uso de refúgio como parâmetros comportamentais; % de N, P e C corporal, taxas de excreção de N e P, razões C:P, C:N e N:P corporal e razão N:P da excreta como parâmetros estequiométricos; taxa de crescimento e biomassa final como parâmetros fisiológicos; e largura da calda, profundidade da calda, comprimento da calda, comprimento do corpo e comprimento total como parâmetros morfológicos. Os resultados da ANOVA mostram que não há efeitos significativos dos tratamentos nas diferenças apresentadas para todos os parâmetros analisados. Estes resultados sugerem que L. catesbeianus é uma presa ingênua, que não tem a capacidade de detectar pistas do predador nativo e consequentemente não demonstra respostas fenotípicas plásticas para evitar a predação. Apesar de ser uma espécie invasora bem sucedida o seu sucesso de invasão parece não depender desta capacidade. No entanto, as análises aqui apresentadas não estão totalmente adequadas e apresentam alguns equívocos que podem ter influenciado nos resultados obtidos. Isto aponta para uma necessidade de reavaliação metodológica das análises estatísticas.