Análise da atividade de classificação de riscos em uma Maternidade escola de alta complexidade: uma contribuição da ergonomia para a segurança do paciente.
Classificação de risco. Triagem. Segurança do paciente. Eventos adversos. Ergonomia.
Este projeto se inscreve no domínio da segurança do paciente, mais especificamente no que se relaciona com a atividade de classificação de risco em uma organização de atendimento de alta complexidade que cuida da saúde humana. Embora se espere que este tipo de organização seja segura, nem sempre ela é como deveria ser. O paciente pode ser atendido e ser acometido por algum evento adverso, que poderia ser evitável. Há sistemas que cuidam da saúde humana em que é significativa a ocorrência de eventos adversos, dos quais muitos são evitáveis. “Errar é humano” é uma expressão que se popularizou, e o erro humano é assumido por muitos como um ato que deve ser aceito de forma compreensiva, não punitiva, mas esta ideia não parece se desvencilhar da ideia, também amplamente aceita, de que à montante do acidente há um causador, um culpado, e que é preciso identificá-lo, treiná-lo ou retirá-lo do sistema ou situação em questão para que a ocorrência não se repita. Há até a ideia de puni-lo, em muitas organizações. O modelo de análise dos problemas associados a esta visão de segurança procura identificar os atos inseguros e, em um grau mais avançado, identificar e analisar os riscos ou os eventos adversos. O modelo de solução dos problemas se expressa, no primeiro caso, pela substituição do indivíduo no sistema de trabalho e pela seleção e recrutamento “rigoroso” de pessoal. No segundo caso, a solução se dá através do estabelecimento de prescrições (normas, procedimentos) e medidas de segurança para cada risco ou evento adverso identificado, conforme a abordagem tradicional da segurança, denominada por Hollnagel de Safety I. Este modelo é top-down; o conhecimento, a experiência e a participação dos trabalhadores no gerenciamento da segurança são pouco levadas em conta. As soluções, segundo esta abordagem, não são suficientes para se evitar ou mitigar os eventos adversos, principalmente quando se trata de atividades complexas, como é caso da atividade de classificação de riscos de pacientes de hospitais e maternidades, que será estudada através do presente projeto. Vale destacar que a classificação de riscos é uma atividade complexa, pois está centrada no conhecimento e experiência acumulada do “classificador de risco”, mas, também, está condicionada à disponibilidade e confiabilidade das informações necessárias para a tomada de decisão, à densidade do trabalho, às prescrições, à rede de trabalhadores envolvidos, às comunicações diretas (trabalhador-trabalhador, trabalhador-paciente, trabalhador-acompanhante) e intermediadas por tecnologias, ao real contexto do trabalho (variabilidades, contrantes, carga de trabalho) etc. A Ergonomia contemporânea e a Engenharia de Resiliência, ao se dedicar ao estudo da segurança do paciente e dos eventos adversos, acidentes e desastres, assumem uma visão sistêmica sobre a causalidade destes tipos de ocorrências. O interesse mais formalizado pelo tema da segurança do paciente tornou-se amplamente conhecido a partir de 2000, quando o Institute of Medicine nos Estados Unidos publicou o livro To err is human: building a safer health system, relatando a preocupante situação com relação aos cuidados de saúde no país. Esse livro traz uma quantidade substancial de evidências sobre eventos adversos, que chegaram a liderar o ranking das causas de agravos e morte de pacientes nos EUA. Os eventos adversos também podem ocorrer durante o processo de classificação de riscos, outrora denominado de triagem. O setor e o processo de classificação de riscos é a porta de entrada da unidade de saúde a que o paciente se dirige; é o local de primeiro contato do paciente com todo o processo de atendimento hospitalar. Este processo se caracteriza pela avaliação de risco dos pacientes, pela classificação do risco em si, pela decisão da hierarquia de priorização dos atendimentos e do encaminhamento inicial do paciente para o exame, atendimento clínico ou cirúrgico em um hospital ou maternidade. Este processo, que é dinâmico e complexo, torna-se crucial quando a demanda por atendimento excede a capacidade instalada do hospital para tal. Trata-se, portanto, de uma importante etapa do gerenciamento de risco do paciente vinculado ao gerenciamento do atendimento do paciente, que envolve todo o fluxo do atendimento. A unidade de análise da Ergonomia é a situação de trabalho, que tem a atividade de trabalho como seu elemento central. A análise das situações de trabalho consiste na análise da atividade realizada pelas pessoas, considerando a capacidade, as restrições e o estado de saúde destas pessoas, as condições de execução e os contextos. Este projeto será desenvolvido no Setor de Classificação de Risco da Maternidade Escola Januário Cicco-MEJC da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na cidade de Natal-RN, Brasil. O objeto de estudo da pesquisa é a análise da atividade de classificação de risco, procurando identificar os determinantes da atividade causadores de possíveis eventos adversos. Metodologicamente, será adotada a pesquisa-ação e a abordagem etnográfica expressa pela Análise Ergonômica do Trabalho-AET, que um método de pesquisa situado. Neste sentido, serão adotadas técnicas observacionais e interacionais para o levantamento de dados de campo, considerando os comportamentos, processos cognitivos e interações mobilizadas pelos trabalhadores no momento das observações. Pretende-se, com isso, compreender como se dá o processo de classificação de risco, a distância entre o que está planejado para a classificação de risco (trabalho prescrito ou imaginado) e o que realmente se faz (trabalho real ou como é realizado), os contrantes, as variabilidades e os disfuncionamentos deste processo, a relação destes com a ocorrência de possíveis eventos adversos e as estratégias utilizadas pelos trabalhadores para preveni-los ou mitigá-los. A abordagem Safety II, conforme apresentada por Hollnagel, traz o “trabalho como é realizado” para o centro das análises e do gerenciamento da segurança. Se procurará, através desta abordagem, compreender as causas dos possíveis eventos adversos e as estratégias utilizadas pelos trabalhadores para garantir a segurança do paciente durante todo o processo de classificação de riscos. Ao final do estudo será apresentado um diagnóstico ergonômico da atividade de classificação de risco do paciente na MEJC e proposto um conjunto de medidas para reduzir os eventos adversos e, consequentemente, melhorar a segurança do paciente.