O SENTIDO DA PRAGMATEÍA EPICURISTA
pragmateía, meditação, práxis, physiología, exercício, técnica, ética.
Este trabalho postula que, por meio de uma pragmateía (πραγματεία), Epicuro busca espelhar um conhecimento acerca da natureza (physiología) num éthos equivalente, revalidando a concepção epicurista de filosofia como um saber para a vida (téchnev tiná perí ton bíon) e de sabedoria como atividade constante de reflexão sobre a natureza (phýsis) e de realização de um modo de ser de acordo com ela (katà phýsin). É em tal panorama, onde o homem busca uma aproximação com a natureza para reproduzir em sua alma um estado de imperturbabilidade (ataraxía), que se delineia a possibilidade de autorrealização ou do exercício de uma vida sábia. Nesse sentido, a pragmateía epicurista remete para uma prática filosófica desenvolvida na consecução de um conjunto de atividades (enérgeias) que traduzem em atitudes, condutas, escolhas, ações e pensamentos um éthos filosófico voltado para a busca do equilíbrio. Se nos textos de Epicuro são limitadas as ocorrências do termo pragmateía, por outro lado, ao exortar a prática filosófica por meio de exercícios de meditação (melétema) e de práxis (práxis), ele nos permite, a partir do uso dessas noções e de outras a essas vinculadas, evidenciar um sentido para a pragmateía, o que permite compreender como a physiología resulta em um modo de vida sábio. Nessa perspectiva, visamos demonstrar que a pragmateía epicurista estabelece seu sentido mais próprio quando compreendida como exercício ético. Isso porque
é como trabalho permanente e inter-relacionado de meditação e práxis que ela conduz o pensamento e a ação para restabelecer no homem o sentido de autarquia (autárkeia), condição necessária para encetar-lhe a disposição para definir um éthos a partir do entendimento que tem da natureza e, com isso, poder fruir de uma vida livre, autêntica, equilibrada e feliz. Tais assertivas se baseiam na análise do pensamento legado por Epicuro (séc. IV a.C), preservado em três epístolas (Carta a Meneceu, Carta a Pítocles e Carta a Heródoto), 40 Máximas Capitais e 81 Sentenças Vaticanas. Também foram objetos de análises a doxografia preservada e reunida por Diógenes Laércio, por Hermann Usener, além dos fragmentos recuperados da Biblioteca de Herculano e daqueles descobertos no site arqueológico de OEnoanda. A esse conjunto de relatos, de onde se destacam as vozes de epicuristas como Filodemo de Gádara, Sexto Empírico, Diógenes de OEnoanda entre outros, também foi agregada a obra Da Natureza, do poeta romano Lucrécio (séc. I a.C). Dividiu-se o trabalho em quatro capítulos. O primeiro apresenta os fundamentos da pragmateía epicurista ou como a physiología, a phýsis, a anthropophýsis, o conhecimento (gnósis) e a técnica (téchne) são pensados por Epicuro. O segundo discorre sobre a meditação (melétema) ou como a pragmateía se constitui como um exercício da alma para pensar a natureza tendo em vista estabelecer uma prática de vida autárquica e feliz. A terceira parte deste trabalho trata da práxis (práxis) ou de como a pragmateía se relaciona com toda atividade orientada para - segundo um paradigma natural inteligido a partir da physiología - fazer o sábio experimentar em sua vida um sentido de equilíbrio e autorrealização. Por fim, no quarto capítulo, a pragmateía epicurista é discutida sob a perspectiva de um exercício ético, aspecto fundamental para compreender a coerência, unidade e sustentação de uma filosofia que se estende ao modo de pensar e de agir do sábio.