LUIS DA CASCUDO CASCUDO E ROBERT LEHMANN-NITSCHE: TRANSFERÊNCIAS CULTURAISDO SERTÃO AO PAMPA
Luís da Câmara Cascudo. Robert Lehmann-Nitsche. Transferências Culturais. Brasil e Argentina. Literatura Comparada.
Na década de 1920, Luís da Câmara Cascudo fez parte de um proeminente circuito de sociabilidades intelectuais que aproximou brasileiros e argentinos num movimento que percorreu, pela literatura, caminhos para a afirmação de uma identidade política, artística e cultural latino-americana. Somando-se aos esforços de autores como Monteiro Lobato, Mário de Andrade, Ronald de Carvalho entre outros, o autor potiguar se tornou um importante interlocutor nas travessias de ideias, bens e valores por meio das quais artistas e intelectuais no Brasil e na Argentina aspiraram um desenvolvimento cultural orientado pelo conhecimento recíproco e pela construção de entendimentos no âmbito do próprio continente. Esses dados são parte dos registros da pesquisa de mestrado Câmara Cascudo e a Argentina intelectual: um joio na seara latino-americana (MEDEIROS, 2016), apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL/UFRN), que reconstituiu o itinerário de aproximação do norte-riograndense à cena cultural platina, distinguindo seu papel de receptor, divulgador e mediador de produções literárias entre as matrizes culturais aludidas. A partir da ampliação documental da pesquisa e da necessidade de delimitar um novo objeto de estudo, esta tese cumpre mais uma etapa de revisões e discussões no campo dessas mobilidades, propondo uma leitura analítica da correspondência de Câmara Cascudo com Robert Lehmann-Nitsche, ocorrida nas décadas de 1920 e 1930. Radicado na Argentina entre os anos de 1897 e 1930, onde exerceu a função principal de diretor do Departamento de Antropologia do Museo de La Plata, o etnólogo alemão foi um dos mais relevantes pesquisadores das tradições populares e do folclore daquele país, atuando como um importante intermediário nos processos de importação e exportação de bens culturais entre a Europa e América do Sul. O diálogo entre os dois autores, empreendido num contexto de intensa circulação de ideias na América Latina do início do século XX, é um testemunho de uma dinâmica de espírito, transversal às fronteiras, pela qual a intelectualidade buscou compreender problemáticas das culturas nacionais pela via do elemento regional. Situado nesse tempo-espaço, este estudo vincula-se às novas perspectivas da literatura comparada e da historiografia literária latino-americanas (CANDIDO, RAMA, NITRINI, COUTINHO, PIZARRO, PERRONE-MOISÉS) que, desde os anos 60, apontam para a necessidade de descolonização e para a construção de uma análise e interpretação próprias. Dado o caráter transdisciplinar dos estudos comparativos, esta pesquisa também busca orientações teórico-metodológicas na História dos Intelectuais (DOSSE, COSTA) e no campo das Transferências Culturais (ESPAGNE, RODRIGUES), a fim de sugerir uma análise de processos de mediação, tomando como base as ações circunstanciadas de Luís Câmara Cascudo como “passeur culturel” no contexto evidenciado.