ENTRE A QUENTURA DAS LEMBRANÇAS E O BRILHO DAS MALACACHETAS: O REGIONALISMO RESIDUAL EM RASTEJO, DE HUMBERTO HERMENEGILDO DE ARAÚJO
Palavras-chave: Rastejo. Humberto Hermenegildo. Sistemas literários. Tradição regionalista residual. Herói problemático.
Este trabalho consiste na leitura crítica do romance Rastejo (2017), do escritor norte-rio-grandense Humberto Hermenegildo de Araújo. Para isso, ancoramo-nos, metodologicamente, na crítica sociológica integrativa de Antonio Candido (2002; 2005; 2010), através da qual ensejamos entender o modo como a obra do artista potiguar se inscreve no panorama cultural contemporâneo brasileiro, atualizando a tradição regionalista do século XX. Como plano de trabalho, iniciamos com uma discussão contextual sobre a literatura enquanto fenômeno civilizatório, a partir da que situamos o local do escritor na sociedade. Em seguida, revisitamos a teoria dos sistemas de Candido (2017a), num contraponto com a crítica de Câmara Cascudo (1998). Dessa síntese, abstraímos um conjunto de princípios que, articulados entre si, nos permite perceber a literatura como sistema funcional, em cuja organização se desenvolvem sistemas menores, no caso em tela, as literaturas nordestina e potiguar. Nesse sentido, discutiremos a temática do regionalismo, entendida, geneticamente, como uma disposição universal (CHIAPPINI, 1978; 1991), que se configura a partir de um vínculo sentimental entre o sujeito e o seu espaço nativo (BORGES, 2007; 2009). Orientamo-nos, para aprofundamento da questão, principalmente, pelos estudos de Candido (2002a; 2017a; 2017c; 2017d), Lafetá (2000), Bueno (2015), Gomes (2008) e, também, pela própria crítica de Humberto Hermenegildo (1991; 1997; 1998), que assimila a temática ao seu projeto intelectual, colocando-a em avaliação e a reconfigurando na produção de sua ficção. Demonstraremos, por fim, no plano da análise textual, como o romance de Araújo viabiliza a continuidade do regionalismo na literatura, atualizando-o, na forma residual (WILLIAMS, 1979), na medida em que transpõe para o plano narrativo, a representação do homem sertanejo em outro estágio, como remanescente, quando impactado pela experiência do tempo e do espaço urbanos da modernidade hostil (BENJAMIN, 2012a; COMPAGNON, 2010). Essa tensão passa a ser compreendida, em nossa investigação, pela teoria do cronotopo (BAKHTIN, 2014b), que nos suscita o entendimento da configuração primária, que é a ontologia do herói problemático e melancólico (LUKÁCS, 2009; LIMA, 2017), como resposta às contradições da modernidade. No plano constitutivo da personagem, isso se efetivará, portanto, no discurso narrativo da primeira pessoa (ADORNO, 2012b; GINZBURG, 2012; DAL FARRA, 1978), através do qual as memórias (CANDAU, 2019; LE GOFF, 2013) se projetam em clara negação ao presente capitalista reificador vivenciado na cidade.