ARENA DISCURSIVA DO OMEGAVERSE: CORO DE VOZES NA CONSTRUÇÃO COLETIVA DE UM UNIVERSO FICCIONAL MULTIFANDOM
Dialogismo; Arena discursiva; Cultura de fãs; Fanfictions; Omegaverse.
Narrativas têm fascinado a humanidade desde sempre. Ouvir e criar histórias é uma das principais características que nos representa enquanto humanos: parte do nosso imaginário, cultura, visão de mundo e explicações da realidade nascem de aspectos narrativos. Esse processo está claramente ligado à nossa constituição pela linguagem, ao fato de que a linguagem engendra processos fundamentais de nossa existência: tanto o discurso social, quanto o discurso interior, construídos em movimento dialógico e em arenas discursivas. Nosso envolvimento com essas histórias é, talvez, então, apenas inevitável: amamos heróis e vilões, aventuras e mergulhos interiores, enredos e jogos de palavras. Não é, portanto, surpreendente que movimentos de pessoas que se envolvem com artefatos culturais de maneira passional e formam grupos de troca e de produção tenham surgido: é possível traçar uma linha de surgimento da cultura da fã até pelo menos 1800. Muitas pessoas materializaram produções criativas derivativas baseadas em outras mídias, especialmente após a internet 2.0, e hoje estas se multiplicam aos milhões em sites e plataformas exclusivas para fanfics e já estão nas prateleiras das livrarias físicas e virtuais. Fanfics, com essa nomenclatura, são artefatos da produção cultural própria dos movimentos de fãs. Há uma variedade imensa de formatos, estilos, tropos, que constituem a fanfic. Um tropo ou subgênero ficcional dessas produções é o Omegaverse: um universo ficcional criado e desenvolvido por fãs de comunidades de fanfic, ao longo das últimas décadas, e que tem tornado-se centro de diversas discussões e polêmicas, não apenas dentro do próprio movimento de fãs, em torno de disputas das representações de corpo, gênero e sexualiadade, mas mesmo nas páginas do New York Times, numa disputa judicial por direito autoral. O objetivo do presente trabalho é compreender o Omegaverse como um produto dialógico do movimento de fãs e observar a arena discursiva e o coro de vozes que constituem a produção crítica em fandons, em artigos em formato wiki, especificamente os do Wikipédia (2021) e do Fanlore (2021), seus respectivos fóruns de discussão e a produção acadêmica de fãs hoje publicada em torno desse universo e suas questões, referenciadas nestes artigos. Os resultados parciais apontam para a expressão do Omegaverse em suas relações com uma archaica principalmente caracterizada pela ficção científica da década de 70 e 80, notavelmente debruçada sobre questões de corpo, gênero e sexualidade testadas em seu limite imaginativo; seu papel na produção de sentidos ambivalentes dentro do movimento de fãs, ora refratando e em disputa aberta com sentidos sexistas que atravessam nossa sociedade, ora reproduzindo-os: o que não passa despercebido pela comunidade de fãs, em especial parte significativa dessa comunidade composta por mulheres feministas dispostas a questionar tais sentidos.