- Auscultar a memória: Scholastique Mukasonga e o dever diaspórico de narrar
História e memória ruandesa. Scholastique Mukasonga. A mulher de pés descalços. Feminismo africano. Representações do feminino.
No campo dos estudos pós-coloniais, a memória tem a difícil tarefa de recuperar o que se perdeu no tempo-passado e, através da história, narrar os acontecimentos que constituem a formação da identidade social, política e cultural de um povo. A evocação da memória e a ruptura com o registro homogêneo da história marcam o comprometimento político com a crítica ao colonialismo e a desconstrução do seu discurso de poder. Nesse contexto investigativo, a produção literária da escritora ruandesa Scholastique Mukasonga desempenha um importante papel no âmbito das teorias críticas contemporâneas; ser porta-voz da história que a história não conta. A fim de compreendermos essa escrita que transita entre denúncia e testemunho, a presente pesquisa propõe analisar os diálogos que o romance A mulher de pés descalços estabelece com as políticas da memória e da história ruandesa, na segunda metade do século XX, a partir das representações do feminino que são traçadas na obra. Para tal intento, o trabalho apoia-se teoricamente em Piton (2018), Hatzfeld (2005) e Ancel (2018), no que diz respeito à história testemunhal de Ruanda e os impactos do genocídio moderno. Na teoria literária cultural, com os estudos de Noa (2015), Nganang (2007) e Glissant (2005), em articulação com saberes da memória individual e coletiva de Halbwachs (2006), Benjamin (2012) e Seligmann-Silva (2006). Tendo como foco as representações do feminino, abordadas pela autora no fazer literário autobiográfico, ganham destaque os textos de Kilomba (2019), Adichie (2019) e Oyěwùmí (2004; 2017). Os resultados da pesquisa apontam que o acontecimento histórico-traumático narrado pela autora, tem a figura feminina como centro das ações desenvolvidas na luta por sobrevivência. No texto literário, o feminino é representado sob o olhar da tradição ruandesa, centrada nas funções maternas que as mulheres tutsis desempenhavam; abordando também questões como empoderamento feminino e a violência sexual contra as mulheres em situações de conflito armado, como ocorreu na guerra civil em Ruanda.