DISPOSITIVOS ENUNCIATIVOS NA SENTENÇA JUDICIAL CONDENATÓRIA DE CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL INFANTO-JUVENIL
Linguística do texto.
Análise Textual dos Discursos.
Dispositivos enunciativos.
Ponto de vista.
Responsabilidade enunciativa.
Orientação argumentativa.
Gerenciamento de vozes.
Discurso jurídico.
Sentença condenatória.
Esta pesquisa tem por objetivo geral investigar dispositivos enunciativos concernentes à orientação argumentativa e a (não) assunção da responsabilidade enunciativa. Para tanto, analisou a sentença judicial condenatória de crimes cometidos contra a dignidade sexual de crianças e de adolescentes, no âmbito da família. Estabelecemos como objetivos específicos identificar, descrever, analisar e interpretar: (i) o plano de texto do gênero judicial em estudo, com foco na estrutura composicional; (ii) a construção textual-enunciativa dos pontos de vista (PDV) e da (não) assunção da responsabilidade enunciativa em sentenças condenatórias de crimes contra a dignidade sexual de crianças e de adolescentes, considerando as marcas e categorias textuais e enunciativas que revelam o (des)engajamento com o dito de outrem, mobilizadas por L1/E1 (locutor-enunciador primeiro/juiz); (iii) as estratégias textuais e enunciativas, bem como expressões linguísticas que podem vir a contribuir para a orientação argumentativa do gênero discursivo em estudo e (iv) os posicionamentos desencadeados pelas posturas enunciativas assumidas pelo L1/E1 (juiz) na gestão do gerenciamento e hierarquização dos conteúdos proposicionais dos PDV evocados por L1/E1 e imputados a enunciadores segundos (e2) a serviço da orientação argumentativa. O quadro teórico que fundamenta esta tese se constitui dos postulados da Análise Textual dos Discursos – ATD (ADAM, 2011), em diálogo com teorias linguístico-enunciativas e com as contribuições teóricas e analíticas do campo linguístico-discursivo da argumentação. Para tanto, além dos pressupostos adamianos, seguimos os estudos de Rabatel (2008, 2011, 2015, 2016), acerca do PDV, da responsabilidade enunciativa, dos posicionamentos, das posturas e instâncias enunciativas, de Guentchéva (1994, 1996, 2011, 2014), sobre o quadro mediativo (as estratégias de (não) assunção e de distanciamento com o dito de outrem) e trabalhos sobre aspectos linguísticos da argumentação e do discurso jurídico, entre eles, Pinto (2010), Gomes (2014), Lourenço (2015) e Bittar (2015). Quanto aos aspectos metodológicos, trata-se de uma pesquisa documental, que segue procedimentos da pesquisa qualitativa, de base descritiva e interpretativista. Nosso corpus é constituído de 6 (seis) sentenças judiciais condenatórias que tratam de crimes hediondos contra a dignidade sexual de crianças e de adolescentes até 14 anos de idade, tendo como agressores o pai ou padrasto (estupro de vulnerável). Essas sentenças foram prolatadas no período de 2010 a 2013 por uma Vara da Infância e Juventude da Comarca de Natal. Os resultados da análise evidenciam dois movimentos realizados pelo juiz na gestão dos PDV: (1) a imputação e (2) a assunção da responsabilidade enunciativa. Nos contextos de ocorrências de posturas enunciativas, no âmbito do fenômeno de (não) assunção da responsabilidade enunciativa no gênero sentença judicial condenatória, os mecanismos linguísticos mais evocados por L1/E1 (locutor enunciador primeiro), no caso, o juiz foram: discurso relatado (o discurso indireto e o discurso direto), o quadro mediativo (a modalização em discurso segundo, mediação perceptiva, mediação epistêmica), as marcas tipográficas (negrito e itálico), sinal gráfico (aspas), índices de pessoa, as expressões verbais, as expressões modais (lexemas avaliativos, expressões adjetivadas e advérbios) e os operadores argumentativos. O uso desses dispositivos textual-enunciativos e argumentativos, no gênero jurídico em análise, revela posicionamentos enunciativo-argumentativos de L1/E1 em relação aos PDV de e2 que direcionam a construção argumentativa para a condenação do réu, a saber: o acordo, por meio da hierarquização e da coenunciação de um PDV comum e partilhado por L1/E1 (concordância entre o PDV de L1/E1 e e2); o desacordo, por meio de dispositivos textuais e linguístico-enunciativos que refutam o PDV de e2 e a pseudoneutralidade, por meio de estratégias de distanciamento, principalmente, em alguns contextos do uso do mediativo, especificamente da mediação perceptiva e mediação epistêmica, revelando, no plano textual enunciativo-argumentativo, uma pseudoneutralidade de L1/E1 em relação ao PDV imputados aos enunciadores segundos. Nos contextos de responsabilização, observamos indícios da hierarquização de PDV como estratégia argumentativa. A análise revela também que o gerenciamento das vozes e a hierarquização dos PDV são mecanismos argumentativos marcados na construção textual, ou seja, a seleção dos PDV imputados a e2 (enunciadores segundos) realizada por L1/E1 orienta a interpretação e a construção argumentativa em favor da condenação do réu. Portanto, a gestão de vozes, no plano textual-enunciativo, configura-se, na dinâmica textual, como estratégia argumentativa, motivada por um projeto de dizer voltado à persuasão e à produção de efeitos de sentido.