No céu da boca das gentes tem estrela e maravilhas: atualização e permanência das narrativas populares em Literatura oral no Brasil e nos Contos de enganar a morte
Narrativas populares tradicionais. Literatura oral. Memória.
O presente estudo consiste em análise comparativa – objetivando ressaltar a atualização e a permanência – entre narrativas populares tradicionais, próprias da tradição oral, em especial as coligidas por Luís da Câmara Cascudo, em Literatura oral no Brasil (1984), vinculadas à categoria dos Contos de Demônio Logrado e do Ciclo da Morte, e os Contos de enganar a morte (2004), do ficcionista, ilustrador e pesquisador de cultura popular Ricardo Azevedo. Nesta obra, traços e motivos recorrentes nas narrativas orais estão vivos e duradouros, evidenciando a permanência das narrativas tradicionais, difundidas na Idade Média (SARAIVA, 1996; DUBY, 1988; 1990), atualizadas na contemporaneidade especialmente pelo gênero literário conto. Defende-se que o caráter simbólico, lúdico e o humor inerentes a essas narrativas orais (ZUMTHOR, 1993; BURKE, 2010) são bens culturais próprios de uma tradição popular que se difunde, se atualiza e se mantém pela memória (BOSI, 2006; BRANDAO, 2008) de narradores artesanais anônimos (BENJAMIN, 1994), poetas e cantores de cordel (FERREIRA, 1979) ainda existentes nos recônditos dos sertões brasileiros, detentores de um saber tradicional não instituído, mas polifônico, dialógico e democrático em essência (COELHO, 1991, 2003; TURCHI, 2004; BAKHTIN, 1996). Boa parte dessas narrativas que têm se tornado clássicos catalogados como “Literatura Infantil” são maravilhas nascidas na boca do povo e muito após é que se popularizaram em adaptações do mercado literário (COELHO, 1991; BENJAMIN, 1994). Além disso, ao lado do povo que sabe e ainda conta estórias de Trancoso e de Fadas, o gênero literário conto tem podido manter em circulação os mesmos assuntos sucessivamente renovados (CASCUDO, 1984), possibilitando o resgate da narrativa oral tradicional, bem como a compreensão e valorização tanto da tradição popular oral quanto da renovação imposta por nosso tempo, perenizando-se a concepção estética filtrada por elementos sociais sincrônicos e diacrônicos (CÂNDIDO, 1976), sem perder de vista a singularidade e a autonomia da obra literária.