Masculinidade à prova: um estudo de inspiração fenomenológico-hermenêutico sobre a infertilidade masculina.
Palavras-chave: Infertilidade masculina. Masculinidade. Pesquisa Fenomenológica. Fenomenologia hermenêutica. Gênero.
Culturalmente procriar é compreendido como uma situação que o sujeito irá vivenciar em algum momento de sua vida. Descobrir-se incapaz de cumprir com tal destino naturalizado parece ser desencadeador de sofrimento, frustração e sentimentos de incapacidade e impotência. Especificamente para o homem, a infertilidade está estreitamente relacionada com perda de masculinidade, de virilidade. Ele fracassa em seu papel de macho. O presente estudo buscou compreender os impactos que a infertilidade produz na existência do homem que recebe tal diagnóstico, tanto nos modos de perceber a si mesmo quanto no papel conjugal, sexual e profissional. Configura-se como uma pesquisa de inspiração fenomenológico-hermenêutico, baseada em ideias do filósofo Martin Heidegger. Participaram do estudo sete homens heterossexuais, com quem realizamos duas entrevistas individuais. O passo de análise do material, que ocorreu no próprio processo de construção da pesquisa, compreendeu tanto o material das narrativas como as afetações da pesquisadora por ocasião do contato com os colaboradores e suas narrativas, por meio da interpretação fenomenológico-hermenêutica. Os resultados corroboram a literatura que afirma a dificuldade apresentada pelos homens, imersos em um contexto que os define como viril, potente e invulnerável, de se preocupar com as questões relacionadas à saúde e doença. Assim, a possibilidade de haver alguma condição que dificulte a sua capacidade reprodutiva ultrapassa os limites aceitáveis no horizonte cotidiano de sentido que compõem as vidas desses homens, não sendo reconhecida como uma condição presente no modelo de masculinidade no qual eles se reconhecem. Isto leva a um questionamento a respeito de sua masculinidade, de seu papel dentro da relação conjugal e da própria existência. Reconhecer-se na condição de homem infértil vai além de um diagnóstico médico e está relacionado à construção de um sentido a partir da aproximação com tal condição, o que auxilia no redirecionamento de suas escolhas, resgatando o projeto de ser si-mesmo e possibilitando continuar se reconhecendo como homem. Outro resultado observado diz respeito à condição ontológica de solicitude que caracteriza o ser humano. As várias formas como socialmente os homens são tratados demonstram um tipo de cuidado no qual, ao mesmo tempo em que valoriza o desenvolvimento de características como força, virilidade e determinação, não permite que eles se aproximem de sofrimento, poupando-os de situações emocionalmente difíceis, como é o caso do diagnóstico de infertilidade. E eles reproduzem essa forma de cuidado protetivo nas relação com as esposas, fazendo o que estiver ao seu alcance para garantir, de alguma forma, que elas se sintam satisfeitas e, através dessas ações, eles permanecem exercendo o papel de provedor da família, demonstrando serem capazes de ampará-la e protegê-la e tendo na reprodução assistida ou da adoção de uma criança alternativas viáveis para concretizar o desejo de deixar um legado e de prover à esposa um filho. Ao final, o estudo enseja reflexões sobre a necessidade de proporcionar espaços de acolhimento e escuta aos homens e às suas expressões de sofrimento, bem como o reconhecimento em sua capacidade de superação das situações dolorosas e difíceis, sem que isso lhes retire a masculinidade.