Trajetória de mulheres e a participação masculina no processo do aborto provocado.
Aborto Provocado; Relações entre os Gêneros; Saúde Pública.
O aborto voluntário é um fenômeno complexo devido ao estigma social imposto a este ato e às mulheres que o realizam. Por ser a gestação um evento próprio do corpo feminino, este público apresenta-se como único responsável pelas questões reprodutivas, bem como pela interrupção da gravidez, sendo a corresponsabilidade masculina excluída deste contexto. Assim, a pesquisa em apreço objetivou analisar a participação do homem no processo de decisão do aborto provocado e seu significado para a mulher. Deste modo, realizou-se uma pesquisa interpretativa, com abordagem qualitativa, junto a 19 mulheres em situação de aborto, internadas na Maternidade Escola Januário Cicco. Para seleção das participantes, estas deveriam ter idade igual ou superior a 18 anos; admitirem, livremente, a indução do aborto; apresentarem condições emocionais e/ou físicas favoráveis para responder aos questionamentos, ou seja, conscientes, sem efeitos de drogas anestésicas, ausência de sangramento abundante e dores. A coleta de dados ocorreu no período de março a agosto de 2013, por meio de entrevista em profundidade. Antecedeu esta etapa a anuência da instituição onde se desenvolveu o estudo, aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com Certificado de Apresentação e Apreciação Ética nº 10332312.9.0000.5537. Ademais, solicitou-se às entrevistadas a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A análise dos dados ocorreu de acordo com a Teoria Fundamentada nos Dados e o Interacionismo Simbólico. Seguindo as etapas desses referenciais, elaborou-se três categorias, a saber: “Decidindo sobre a interrupção da gravidez”; “Envolvendo o parceiro no processo decisório do aborto provocado” e “Concretizando a prática abortiva”. A análise das propriedades e dimensões de tais categorias possibilitou a construção da categoria central “Vivenciando a trajetória abortiva”. Deste modo, evidenciou-se que os homens participaram do itinerário do aborto. Porém, seu envolvimento aconteceu de forma mais ativa quando havia estabilidade no relacionamento amoroso. Nestes casos, eles envolveram-se buscando informações sobre o referido ato e adquirindo o método abortivo. Em todas as etapas desta trajetória, as mulheres interagiram consigo mesma, o parceiro, a gravidez, o feto e os valores presentes no contexto sociocultural em que vivem. Portanto, conclui-se que os homens participaram da decisão feminina de abortar, mesmo quando se excluíram do processo. Pois, as atitudes deles frente a uma gravidez não planejada e indesejada levaram as participantes a refletirem sobre as dificuldades de criar um filho sem o apoio financeiro e parental do parceiro. Diante disso, entende-se ser relevante que os profissionais de saúde atuantes nos serviços de planejamento familiar, em especial o enfermeiro, ofereçam maior atenção ao público masculino, na tentativa de promover reflexões capazes de conduzi-lo a comportamentos de coparticipação junto à mulher nas questões conceptivas e contraceptivas.