Ecologia comportamental do lagarto Ameivula ocellifera (Squamata: Teiidae) no nordeste do Brasil
Dieta; ecologia térmica; comportamento de forrageio; comportamento reprodutivo; comportamento termorregulatório; lagartos.
Lagartos da família Teiidae são reconhecidos como forrageadores ativos que mantém temperaturas corpóreas elevadas em atividade, e que não defendem territórios, de modo que tanto machos quanto fêmeas possuem oportunidades de acasalar com vários parceiros durante a estação reprodutiva. Entretanto, são escassos os estudos que analisaram quantitativamente o comportamento de teídeos, especialmente na América do Sul. Nessa perspectiva, a proposta deste estudo foi investigar os comportamentos de forrageio, de termorregulação e de reprodução do lagarto cauda-de-chicote Ameivula ocellifera, uma espécie conspícua e amplamente distribuída na região Nordeste do Brasil, almejando contribuir para o conhecimento acerca da ecologia comportamental dos teídeos sul-americanos. Para coleta de dados comportamentais em campo, foram realizadas excursões em duas épocas do ano (estações seca e chuvosa) em três localidades do estado do Rio Grande do Norte, sendo duas no domínio da Caatinga (Lagoa Nova e Acari), e uma no domínio da Mata Atlântica (Nísia Floresta). Para complementar a análise do comportamento reprodutivo, utilizou-se também dados comportamentais de duas localidades adicionais (Natal e Serra Negra do Norte). As observações focais foram registradas com uma filmadora digital, e os vídeos foram posteriormente analisados pelo método animal focal contínuo. Alguns animais foram capturados após as filmagens para análise da dieta e temperaturas corpóreas. As dietas das populações de Lagoa Nova e Acari foram compostas predominantemente por térmitas e larvas de inseto, respectivamente, enquanto a população de Nísia Floresta apresentou uma dieta mais generalizada, sem uma única categoria de presa predominante. O comportamento de forrageio foi caracterizado por índices elevados de movimentação e de busca ativa por presas, mas a população de Nísia Floresta apresentou um índice menor de busca ativa em relação às duas populações de caatinga porque os lagartos passaram mais tempo exibindo vigília. Registrou-se também diferenças no principal modo de descoberta de presas entre a população de Nísia Floresta (busca visual e quimiossensorial em movimento) e as populações de caatinga (cavando o substrato). Na população de Lagoa Nova, verificou-se diferenças sazonais no comportamento de forrageio. Ajustes comportamentais em resposta a variações na disponibilidade de presas e diferenças no tempo de vigilância contra predadores são explicações plausíveis paras as diferenças sazonais e populacionais registradas no comportamento de forrageio. As temperaturas corpóreas em atividade (TC) variaram entre 32,4 e 43,4 °C, com valores médios semelhantes entre as três populações, na faixa de 38-39 °C. Apesar da similaridade em TC, valores mais amenos de temperaturas do substrato (TS) e temperaturas do ar (TA) foram registrados para Lagoa Nova. Ao comparar-se as três populações durante a estação chuvosa, verificou-se que os animais de Lagoa Nova se expuseram mais tempo ao sol e menos tempo à sombra do que as outras duas populações. Além disso, TS e TA variaram sazonalmente em Lagoa Nova, com menores valores na estação chuvosa, e os animais passaram mais tempo expostos ao sol e menos tempo expostos ao sol filtrado na estação chuvosa do que na estação seca. Verificou-se uma relação positiva nas três populações entre o tempo exposto a condições nubladas e o tempo realizando aquecimento termorregulatório (basking), e os lagartos de Acari passaram mais tempo realizando basking em comparação às outras duas populações. Os resultados sugerem que a manutenção de TC semelhantes entre as populações e ao longo do ano em Lagoa Nova ocorreu por flexibilidades no comportamento de termorregulação que reduziram o impacto de variações nas condições ambientais. O sistema de acasalamento de A. ocellifera é caracterizado por cópulas consensuais precedidas por cortejo do macho, e acompanhamento pós-copulatório da fêmea, com o macho companheiro repelindo machos rivais, e guardando a entrada da toca da fêmea quando ela encerra a atividade diária. Adicionalmente, alguns machos podem copular oportunisticamente com uma fêmea sem cortejo prévio. O acompanhamento possui custos de sobrevivência para os machos companheiros, pois estes passaram mais tempo em vigília, menos tempo realizando busca ativa por presas, capturaram menos presas, e iniciaram 75% mais interações agonísticas contra outros machos quando comparados com machos forrageando solitariamente. Já as fêmeas podem se beneficiar através de cortejo pós-copulatório e acesso a machos de alta qualidade. Cópulas oportunísticas, por outro lado, podem ser uma estratégia condicional adotada por machos menos dominantes para conseguir acasalamentos, mas que presumivelmente confere um menor valor adaptativo.