CAMALEÕES SOCIAIS: um estudo sobre estelionatários, fraudadores e embusteiros em geral.
SOCOLOGIA DO CRIME; ESTELIONATO; REFLEXIVIDADE; LINGUÍSTICA.
Como fenômeno social geral, as insinceridades, engodos, mentiras, farsas, fraudes e ardis de toda ordem são práticas presentes nas mais diversas relações sociais e em quaisquer sociedades humanas, mas curiosamente os brasileiros estão familiarizados com uma expressão em particular, que é a noção de algo ou alguém ser “171”. Tal acunha dá conta da suspeita sobre alguém uma dada situação social, desconfiando-se que se trata de algum golpe ou que ele é um mentiroso contumaz e provavelmente conhecido pelo seu meio social por aplicar golpes variados.
A expressão é sinônima de golpista, mentiroso, alguém sem escrúpulos que se vale de ardis dos mais diversos para obter alguma vantagem à custa de outrem. A familiaridade que se tem com tal expressão, incorporada ao contexto brasileiro, dá sinal de que tal personagem, o mentiroso inescrupuloso, circula facilmente no meio social. Tal expressão, apesar de poder ser usada por muitas pessoas de maneira inconsciente, faz referência ao artigo do Código Penal brasileiro (CP) que versa sobre crimes de estelionato. Se essa expressão foi incorporada às relações mais prosaicas do cotidiano, isso pode ser indício de que ela não apenas faz menção aos golpistas existentes no mundo social, como também pode ser uma pista de alguma coisa mais fundamental das relações sociais, não sendo algo que simbolize apenas as situações e personagens de trapaças, pois não se usa a expressão “171” em contextos exclusivamente jurídicos, mas em todas as oportunidades que se detecta alguma afinidade com a noção ampla de “mentira” ou “embuste”. Significa dizer que para além dos limites conceituais descritos no Direito, as pessoas criam novas aplicações linguísticas despreocupando-se da precisão semântica do conceito de estelionato que o termo “171” carrega.
Veremos no decorrer deste estudo que tal uso, quase indiscriminado, tanto é expressão de como as pessoas relacionam espontaneamente mentiras à noção de estelionato, como também é indicativo de que as mentiras, de tão sistematicamente comuns, integram a trama do cotidiano, se tornando a matéria constitutiva da linguagem e das relações sociais.