COM AÇÚCAR, COM AFETO: REPRESENTAÇÕES FEMININAS NA ESCRITA MEMORIALÍSTICA AUTOBIOGRÁFICA DE MAGDALENA ANTUNES (1880-1959)
Magdalena Antunes (1880-1959). Rio Grande do Norte. Oiteiro. Escrita de si. Representações femininas.
Na passagem do século XIX para o século XX, a região que progressivamente passou a ser denominada de Nordeste começou a perder visibilidade econômica e política no contexto geral do Brasil. Se, de um lado, o Nordeste entrava em declínio por causa da baixa produtividade do açúcar, simultaneamente o Sudeste ascendia em decorrência da industrialização. Visando sanar tais problemas, foram introduzidas as usinas, no sentido de modernizar a produção que tradicionalmente era realizada através dos engenhos, os quais, com seus métodos rudimentares, já não atendiam às expectativas do mercado internacional. Essas transformações foram sentidas, reclamadas e problematizadas por vários intelectuais da época que, ligados a esse passado dos engenhos no Nordeste, reclamavam que a inserção das usinas nesse cenário estava agindo de forma a engolir territórios, modificando antigas relações sociais, destruindo inclusive formas de vidas há décadas consolidadas. O sentimento de finitude desse passado ligado ao mundo da aristocracia canavieira ecoou nas escritas de intelectuais tais como José Lins do Rêgo, Gilberto Freyre, Mario Sette e JulioBello, cujas obras, sobretudo romances e memórias, foram tecidas sob o olhar saudosista de quem queria eternizar através da escrita seus valores e tradições. Atrelada a esse movimento, eis que se destaca a escritora norte-riograndense Magdalena Antunes (1880-1959), que, tendo sido filha de senhores de engenho do vale do Ceará-Mirim (RN), já na condição de dona das propriedades que herdou da família, viu seu passado entrar em decadência com a progressiva queda da produção açucareira e inserção das usinas. Além de ter participado da vida cultural de seu estado através da colaboração com a imprensa, Magdalena Antunes também fez parte do grupo intelectual de Câmara Cascudo e Nilo Pereira, produzindo e publicando sob seus auspícios Oiteiro: memórias de uma sinhá-moçaem 1958, obra esta de teor memorialístico e autobiográfico, onde todo o sentimento saudosista dos intelectuais acima referenciados também se faz presente, entremeando o relato que ela fez de sua infância, salvando igualmente do esquecimento espaços, pessoas e momentos que lhe eram caros, algo que é característico da escrita de si enquanto narrativas que dão vazão ao eu. O presente trabalho tem por objetivo central observar algumas representações femininas que foram construídas e se manifestaram a partir da trajetória de vida e da escrita que Magdalena Antunes fez de si em seu Oiteiro. Visitando o passado dos engenhos em Ceará-Mirim através de sua obra, além de tantos outros personagens que fazem parte desse cenário patriarcal, aristocrático e escravista, despertou-me a atenção figuras de mulheres, entre elas professoras, escravas, freiras e colegiais, todas oitocentistas, e que fizeram parte da vida da escritora em sua infância e que, conforme ela mesma deixou claro, mereceram ser eternizadas nas narrativas que fez da sua própria história. Assim, pergunto: o que essas representações são capazes de mostrar em relação ao espírito de uma época e em relação à condição feminina nesse contexto? A partir de uma perspectiva qualitativa, tomo a escrita desenvolvida por Magdalena Antunes como fonte central, mas, seja para tratar da sua trajetória ou para dar realce às representações de mulheres por ela desenhadas, optei por fazer o confronto do Oiteiro com outras fontes tais como cartas, fotografias, entrevistas e obras literárias de traço memorialístico e autobiográfico, sobretudo de autoras e autores brasileiros. A partir da escrita desenvolvida por Magdalena Antunes, apresento um panorama da situação feminina no Nordeste brasileiro do século XIX fazendo a problematização do contexto socio-histórico e cultural da época.