Experiências maternas de perda de um filho com câncer infantil: uma compreensão fenomenológico-existencial
luto materno; câncer infantil; fenomenologia; hermenêutica heideggeriana; morte.
A morte em decorrência de câncer infantil reflete um desfecho precoce da vida, evento este que pode provocar forte repercussão na existência da mãe, figura a qual, comumente, é atribuída a maior parte das responsabilidades durante o adoecimento do filho. Esse estudo tem por objetivo compreender a experiência de mães que perderam um filho em decorrência de câncer infantil, aproximando-se dos sentidos pessoais desta vivência. Seguindo os moldes de um delineamento qualitativo, com enfoque exploratório e compreensivo, utilizou-se como procedimento de construção dos dados o método da “narrativa”, obtida a partir de entrevista semiestruturada. A pesquisa contou com a participação de três mães adultas que perderam seus filhos por câncer infantil, após um período mínimo de seis meses de tratamento oncológico. A proposta de análise segue os parâmetros do método fenomenológico e a compreensão dos dados é fundamentada na analítica existencial de Martin Heidegger. Os resultados foram estruturados em três eixos temáticos: História prévia, adoecimento infantil e suas repercussões; A rede de apoio e o cuidado; A perda e o depois: enfrentamento e significação. Foi possível compreender que o surgimento do câncer na infância promove, desde o diagnóstico, uma ruptura dos significados cotidianos, evidenciando a frágil condição da vida humana. Nesta circunstância específica de adoecimento infantil, todas as participantes restringiram suas possibilidades de ser-no-mundo, dedicando-se exclusivamente ao exercício da maternidade. Na relação com os filhos em situação de tratamento, as narrativas desvelaram, de maneira convergente, a existência de um cuidado no modo substitutivo. No âmbito da rede de suporte, constituída primordialmente pela família, equipe de saúde e instituições de apoio, as relações foram marcadas por movimentos de proximidade e distanciamento. Com a morte do filho, as mães passam a vivenciar uma forma de “ser-com o filho ausente”, garantindo a continuidade da relação com o filho morto. Tomando-se os resultados expostos acima, pode-se compreender o luto materno como uma experiência singular em constante ressignificação, na qual o tempo subjetivo sobrepõe-se ao tempo cronológico. O incremento da angústia, decorrente do confronto da mãe com a questão da finitude, mobiliza um processo de mudança em seu modo de ser-no-mundo, promovendo a abertura de novas possibilidades em sua vida. Uma atenção singular à mãe, durante o processo de adoecimento e perda do filho, revela-se, portanto, primordial.