Discursos no trabalho análogo à escravidão: um estudo de caso de trabalhadores resgatados na cadeia produtiva da carnaúba/RN
Trabalho análogo à escravidão. Cadeia produtiva da carnaúba. Clínica do Trabalho. Análise do discurso
O presente trabalho buscou contribuir para a compreensão dos discursos do contexto de atividade de trabalho análogo à escravidão (TEA) de trabalhadores resgatados da cadeia produtiva da carnaúba no Rio Grande do Norte (Brasil). Tal esforço interpretativo buscou apoio nos aportes teóricos da psicologia histórico-cultural, clínicas do trabalho e diálogos com a tradição francófona de análise de discurso, e se desdobrou em três estudos: 1) Gênese, caracterização e do TEA; 2) binômio liberdade-servidão e resistências ao TEA; 3) Narrativas (auto)biográficas dos resgatados do TEA. Em termos de método a presente pesquisa se filia de] a uma abordagem qualitativa-interpretativa, fundada no procedimento do estudo de caso, utilizando as seguintes técnicas de coleta, tratamento e análise do material discursivo obtido: no estudo 1 realizou-se análise dialógica discursiva do corpus documental obtido na operação de nº 62/2018 pelo GEFM (Grupo Especial de Fiscalização Móvel), no estudo 2 foi realizada análise narrativa do corpus teórico-bibliográfico e no estudo 3 análise discursiva das narrativas (auto)biográficas (AADNA) do corpus das entrevistas transcritas.. Os resultados apontaram para tensões existentes entre os discursos o patronal caracterizado pela prescrição, injunção e naturalização do crime de trabalho análogo ao de escravo, pouca responsabilização ético-moral e persistência do ciclo de escravização na biografia dos participantes, e o discurso fiscalizatório, marcado pela narração argumentativa-expositiva-descritiva, em que o real é exposto em seus impedimentos, verificando-se ainda, o compromisso ético-dialógico com a desnaturalização e defesa do trabalho decente, livre e sustentável (estudo 1). Discursos sustentados, ainda, por um sujeito do discurso histórico-cultural afetado em seu devir-potência-ação face às ilusões das paixões, do medo, dos afetos tristes responsáveis pela servidão (estudo 2) e por fim, narrativas (auto)biográficas perpassadas por histórias e memórias envoltas no TAE geracional e infantil, marcado por afetos tristes e de sentido dual; reforçado por discursos individualizantes de pseudoliberdade, de “parceria” com as instância de escravização, de ausência por completo de contraditório, de sujeito objetificado, descartável, coisificado, massificado, de ausência de alteridade, de agendas civilizatórias apagadas, esvaziadas. Assim, há que se investir no poder de agir, na autoria do sujeito, no devir-potência, na transformação social.