Afetividade e resistência: vínculo, transformações socioambientais e oposição capital-lugar na cidade de Galinhos-RN
afetividade; pesca artesanal; turismo; energia eólica; etnografia
A cidade de Galinhos passou por transformações significativas nos últimos anos. A
transição de uma comunidade organizada em torno da pesca artesanal para uma que
se estrutura em função do turismo, catalisada pelo impacto da ampliação de uma
salina na década de 1980, e a implementação, em 2012, do parque eólico Rei dos
Ventos I, tiveram impactos locais importantes que implicaram movimentos de
resistência por parte da população: manifestação dos pescadores em função da
ampliação da salina; manifestação contrária à presença de um barco de passeio de uma
empresa de turismo em 2010, e; manifestações contrárias à implementação do parque
eólico sobre as Dunas do Capim, local importante para o turismo local. O objetivo deste
estudo foi investigar a relação entre laços afetivos dos(as) moradores(as) com Galinhos e
as disputas concernentes às transformações socioambientais locais. Como objetivos
específicos, busquei: (a)identificar as principais transformações socioambientais em
Galinhos e seu impacto sobre os modos de vida locais; (b) investigar os afetos dos(as)
residentes em relação a tais transformações e como esses afetos participam da
produção de sentidos sobre o lugar, e; (c) entender como esses sentidos são mobilizados
na formação de movimentos de resistência às transformações socioambientais. Para
tanto adotei uma abordagem etnográfica, vivendo por três meses no local e contando
com o suporte de dois informantes locais. Os registros das experiências foram feitos em
21 diários de campo. Além disso, entrevistei 23 moradores(as), tendo como foco as
histórias de vida. A análise do corpus da pesquisa teve como pressuposto
ontoepistemológico o realismo crítico, e utilizei uma análise multinível, considerando os
níveis extradiscursivo e discursivo articulados na compreensão dos conflitos. Os
registros nos diários permitiram uma caracterização da dinâmica local, destacando
aspectos de contexto importantes no dia a dia. Além disso, identifiquei discursos locais
que funcionam como significados compartilhados, e ajudam a organizar a vida local.
Utilizando a categoria da afetividade de Espinosa como elemento ético-político
extradiscursivo e imanente à transição entre modos de vida, foi possível compreender: a
vinculação ao lugar como constitutiva do modo de vida da pesca artesanal; a ampliação
da salina como desarticulação desse modo de vida; o turismo como articulador do novo
modo de vida com significados e práticas próprios, mas mantendo e recuperando
aspectos do modo de vida pesqueiro; a implementação do parque eólico como ameaça
de ruptura com os aspectos de tal modo de vida. No nível dos discursos, para
compreender a emergência dos conflitos, fiz uma análise crítica de discurso, tratando
discursos como ação, mas articulados ao nível extradiscursivo como sua condição de
possibilidade. Foi possível notar que a própria natureza histórico-social dos
empreendimentos levou a uma oposição entre capital e lugar, o que implicou a
identificação desses empreendimentos como invasores pelos moradores. O fato de o
turismo ser feito e controlado pelos moradores, alimentando o sentido de que é uma
atividade que os vincula ao lugar, junto aos saberes locais, ajudou a significar a
empresa turística e o parque eólico como ameaças à vida local. As resistências às ações
de tais empresas tiveram os diferentes conteúdos de vinculação dos modos de vida
como organizadores tanto de uma consciência local sobre tal oposição capital-lugar,
como das iniciativas de contestação. Compreendo, assim, que as relações fundamentais
dessas atividades, quando em contato com as especificidades das relações e saberes
locais, produziram uma oposição sustentada pelo sentido de que são empresas que lhes
alienam o lugar, entendido como parte de suas vidas.