Explorando os efeitos do ambiente sobre a diversidade genética e a conectividade de populações da sardinha-cascuda brasileira Harengula sp.
diversidade genética; genômica; conectividade populacional; manejo de pesca; mudanças climáticas; modelagem de nicho.
Reverter a perda da biodiversidade é um dos maiores desafios para a biologia da conservação e evolutiva na atualidade. O aquecimento global agrava esse cenário, pois inúmeras espécies já vivem próximas ao seu limiar térmico, principalmente as tropicais. Compreender as características ambientais que impulsionam dinâmicas populacionais é um passo importante para estabelecer o uso sustentável dos recursos naturais, uma vez que o ambiente influencia a distribuição, a diversidade e a evolução das espécies. Na presente tese, dividida em três capítulos, utilizei dados genômicos e ecológicos para entender como o ambiente impacta a evolução da sardinha-cascuda Harengula sp., possivelmente uma espécie ainda não descrita da costa brasileira. No primeiro capítulo, estimei como ciclos climáticos passados impactaram a história demográfica de Harengula sp. no Atlântico Sudoeste. Descobri que esta linhagem é estruturada por profundidade e salinidade em duas populações que refletem a expansão do habitat raso após o LGM, sendo: uma população grande, diversa e em expansão na costa brasileira (população costeira; Ne 3,6) e uma menor, que contraiu a um terço do tamanho de uma população ancestral no arquipélago de Fernando de Noronha (FNO, população insular; Ne 0,3). A situação da população de FNO é mais sensível, considerando que Harengula sp. tem fundamental importância comercial e ecológica por ser a única espécie de sardinha no arquipélago, onde persistem conflitos entre gestores ambientais e pescadores locais que reivindicam a pesca da sardinha no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha. Alta diferenciação (FST 0,14) apesar do fluxo gênico simétrico entre essas populações reforça a necessidade de diferentes estratégias de manejo para cada. No segundo capítulo, investiguei a dinâmica da ocupação geográfica de Harengula sp. no clima atual e estimei a mudança do habitat em três cenários futuros de aquecimento global. A modelagem de nicho indica deslocamento para o sul e contração de adequabilidade ambiental às sardinhas-cascudas, uma mudança que aumenta à medida que os cenários modelados para o futuro são agravados. Modelos de dispersão larval indicam que áreas marinhas protegidas (AMPs) em ilhas, como FNO, Abrolhos e Atol das Rocas, atualmente atuam como áreas-fonte de biodiversidade para o litoral continental, potencialmente minimizando os efeitos da sobrepesca na costa brasileira e aumentando a resiliência da população para lidar com a mudança de habitat. No entanto, AMPs distantes (>1.000 km), como Trindade-Martim Vaz, não são fonte de ovos e larvas de sardinha para a costa. A conexão larval entre FNO e costa brasileira reflete um pouco da mistura genética histórica entre as populações da costa e da ilha identificados no primeiro capítulo, demonstrando o potencial dispersivo dessa espécie nas fases iniciais de vida. No terceiro capítulo, testei o efeito da paisagem sobre a estruturação das populações da costa e de Noronha, testando a hipótese de que áreas de maior estabilidade climática ao longo do tempo abrangeriam maior diversidade genética. Não encontrei correlação significativa entre caracteres ambientais (adequabilidade ambiental presente e estabilidade climática) e os padrões genéticos testados (diversidade nucleotídica, endogamia e demografia). Aqui, o modelo que considera apenas distância geográfica explica os padrões de diversidade genômica de Harengula sp. tão bem quanto o modelo que inclui a resistência ambiental combinada à distância geográfica, refletindo o padrão de isolamento por distância indicado no primeiro capítulo. Nesta tese, a combinação de métodos permitiu descobrir diversidade genética críptica, detectar dinâmicas populacionais, estimar a capacidade dispersiva, a mudança de habitat e seus impactos na trajetória evolutiva de uma espécie marinha ainda não descrita no Atlântico Sudoeste.