Memorial escolar como ritual de passagem e a escola como lugar de memórias
Narrativas infantis; Memória escolar; Protagonismo; Infância; Educação.
Partindo do pressuposto de que a criança é sujeito de direitos, de linguagens e de memórias, admitimos que a escuta qualificada de suas narrativas, orais e escritas, é uma via potente para compreender para além do cotidiano escolar, as dimensões subjetivas e coletivas que perpassam as experiências vividas na escola durante a infância. A pesquisa investigou memoriais escolares enquanto prática pedagógica na escola investigada, com o objetivo de compreender o que diziam as crianças sobre a escola como lugar de memórias e sobre a escrita de si na infância. Como referencial teórico adotamos uma perspectiva interdisciplinar. As teorias de Piaget (2009), Vygotsky (1991, 2009) e Wallon (1975), no âmbito da Psicologia genética, ofereceram bases sólidas para compreender o desenvolvimento infantil em suas dimensões cognitivas, sociais, afetivas e culturais. Os estudos contemporâneos de Sociologia da infância, na perspectiva de Sarmento (2004, 2006, 2009), Corsaro (1997, 2011), Oliveira (2005), Kramer (1996, 2003, 2016), Ariès (2014), Del Priori (2021), Kuhlmann Jr. (1998), Stearns (2006), Sarmento e Gouvea (2009), possibilitaram a compreensão da criança como sujeito de direitos e uma leitura sensível dos modos de dizer na infância. Por sua vez, os estudos realizados com base nas narrativas de si utilizamos Bruner (2014), Passeggi (2014, 2018) que nos ajudaram a interrogar a capacidade reflexiva da criança e seus modos de dar sentido ao que lhes acontece. Para falarmos dos memoriais nos embasamos em Passeggi (2000, 2002, 2006, 2008) e Câmara (2012). Do ponto de vista metodológico, o estudo adotou uma abordagem qualitativa e interpretativa das fontes da pesquisa e utilizamos os autores Bogdan e Biklen (1994), Minayo (1993), Stake (2011), Gaskell (2003), Jovchelovitch e Bauer (2003), Ludke e André (1986) e Clapier-Vallandon Raybaut (1996). Os dados empíricos estão constituídos por quatro fontes: a) 09 (nove) Livros de Memórias, produzidos de 2017 a 2022, reunindo memoriais escolares de crianças de turmas do 5º ano do Ensino Fundamental; b) entrevistas com 29 (vinte e nove) crianças que escreviam seus memoriais, em 2022; c) conversas com as quatro professoras que acompanhavam o trabalho desenvolvido por essas crianças ao longo do ano; d) observação das turmas do 5º ano nos dias de aulas voltadas para os memoriais. As análises das narrativas orais e escritas das crianças permitiram depreender, por um lado, a importância do memorial escolar como dispositivo pedagógico de reelaboração das memórias escolares que acompanham cada indivíduo ao longo da vida e, por outro lado, compreender a escrita de si como ritual de passagem, um espaço-tempo privilegiado de reflexão sobre si mesmo como autor de sua própria história, diante do que já experienciou e dos desafios que se apresentam em novos espaços-temposescolares. Em conclusão, esta tese defende que a escola, ao promover espaços de produção oral e escrita de narrativas de si, amplia seu compromisso com o direito das crianças de reelaborarem suas memórias, de se expressarem sobre assuntos que as concernem diretamente e de inscreveram seus modos de pensar e de ver a escola como forma de participação social. O memorial escolar se configura, assim, como prática pedagógica e política suscetível de fortalecer vínculos entre os membros da comunidade escolar, construir pertencimentos e legitimar as infâncias em suas múltiplas formas de ser e estar na escola.