A partir da década de 1990, passou a existir uma crescente biomedicalização e farmaceuticalização do HIV/Aids, embora tudo isso já estivesse presente desde os meados da década de 1980. Os enormes investimentos em pesquisa científica e o mercado lucrativo que fortalece ainda mais a indústria farmacêutica de remédios antiretrovirais foi um processo concomitante de intensa mobilização de ativismo biossocial de Aids, envolvendo pessoas, organizações e associações da sociedade civil. A partir de 1996, a terapia combinada tornou-se o protocolo biomédico defendido pela ciência, pela medicina e pelo ativismo de HIV/Aids, assegurado por modelos privados ou públicos de acesso e distribuição de medicamentos. Uma multiplicidade de exames e tecnologias biomédicas passaram a ser usadas e vividas de modo rotineiro e cotidiano por parte das pessoas vivendo com HIV/Aids, tal como os testes sorológicos ou o exame de carga viral (PCR), que coexistiram com dinâmicas e interações sociais pautadas no status sorológico e a formação de identidades clínicas ou biosociais, além da criação de mundos, coletividades e comunidades biosociais ou biopolíticas a partir do status sorológico e da condição biológica pela presença de um retrovírus no corpo e na vida.
Desde então, sobretudo no século XXI, estamos vendo reorientações em torno da prevenção da infecção ao HIV, não mais centrada no modelo preventivo de “comportamento mais seguro” com o uso de preservativos (masculinos e femininos). Nos últimos dez anos, estamos observando, sobretudo, a defesa e a regulamentação de protocolos e modelos de prevenção pré ou pós-exposição da infecção do HIV (PREP e PEP), agora assegurado por meio de políticas públicas regulamentadas, por exemplo em países como o Brasil e a Argentina, o acesso a remédios anti-retrovirais para pessoas não infectadas pelo HIV, o que evidencia uma mudança significativa diante daquele modelo de prevenção que emergiu a partir dos primeiros anos da epidemia, inclusive como uma resposta prática urgente do ativismo LGBT e de HIV/Aids. É verdade que havia questionamentos, já com razoável antecedente histórico, desse modelo preventivo “comportamental” pautado no “sexo seguro”, cujas criticas tinham, porém, alcance restrito por meio de estímulos e discursos favoráveis ao sexo bareback (sem camisinha, “inseguro”), questionando o higienismo dos protocolos de prevenção ao HIV. Do mesmo modo, aconteciam, em concomitância, mobilização social e empreendimentos morais em prol de uma legislação mais dura e robusta de criminalização da infecção do HIV como uma nova tipificação penal voltada à crimes de responsabilização individual ao se transmitir uma doença sem cura.
O atual cenário das experiências e políticas do viver com HIV/AIDS expõem refrações de um processo histórico já de longa duração em que categorias como indetectabilidade ao HIV supõe a ideia de “tratamento como prevenção”, conjugada a uma rotina de exames e testes que monitoram de modo molecular as taxas virais e as rotinas regulares (durante uma vida?) de gestão do status sorológico do HIV (e também de outras infecções sexualmente transmissíveis). Como antes no século XX, o atual contexto se apresenta por meio da heterogeneidade e/ou pluralidade de experiências do viver com HIV/Aids, reconhecendo fatores ou marcadores sociais como gênero, diversidade sexual, classe, etnia/raça, geração/idade, etc. Tudo isso evidencia um grave problema de saúde pública cujas experiências, mobilizações e respostas caracterizam-se por interseccionalidades e pluralidades societárias ou culturais.
Para o dossiê, pretendemos reunir artigos que evidenciem pesquisas empíricas aprofundadas, sobretudo aquelas em uma fase adiantada de investimento analítico e metodológico. Esperamos receber propostas de artigo realizadas em Antropologia e nas demais Ciências Sociais bem como em Saúde Coletiva.
As/os autores/as devem submeter seus textos, seguindo as normas do periódico, por meio do portal https://periodicos.ufrn.br/vivencia/index até o dia 02 de agosto de 2022. O número está previsto a ser publicado para o segundo semestre de 2022. A revista Vivência publica textos em português, espanhol, inglês e francês. Portanto, artigos estrangeiros serão bem-vindos.
Para mais informações, enviar mensagem para o e-mail vivenciareant@yahoo.com.br indicando como assunto da mensagem o tema do dossiê: “40 anos da epidemia do HIV/Aids”.