AS VOZES E OS SILÊNCIOS ENTRE AS GRADES MATERIAIS E SIMBÓLICAS: UMA ETNOGRAFIA DAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA POR CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS
Audiência de custódia. Tráfico de drogas. Etnografia. Direitos Humanos.
O presente estudo objetiva problematizar como se materializam as audiências de custódia em relação aos marcadores sociais e jurídicos que circundam os usos das substâncias classificadas como “drogas”, mediante uma análise qualitativa que revele as vozes e os eventuais silêncios dos seus atores, observando suas performances, os processos de sujeição criminal, as agências e as relações comunicativas (in)existentes entre eles. Após ter atuado como Residente Judicial e pesquisadora na Central de Flagrantes do Município de Natal-RN, realizando análises quantitativas referentes aos seus primeiros 18 meses de funcionamento, pude perceber que haviam vivências que os números não eram capazes de desvelar. Nesse lume, decidi (res)significar o meu campo a partir de um olhar etnográfico, propiciado pela Antropologia Social, que reconhecesse as lacunas deixadas pelas análises estritamente positivistas e demonstrasse como vozes, silêncios e marcas se revelam entre as grades reais e simbólicas das audiências de custódia realizadas em Natal e na sua região metropolitana, especialmente quando centradas no crime de “tráfico de drogas”, que é um dos crimes que mais resultam em prisões cautelares no Brasil, que são aquelas que precedem a condenação definitiva. É sob esse norte que este trabalho irá utilizar uma metodologia empírica e participante, através do acompanhamento presencial das audiências e mediante a aplicação de questionários semiestruturados. Através deles serão estudados os papéis representados pelos juízes, serventuários, promotores, defensores, familiares e custodiados, suas variações performativas, as mudanças entre as narrativas, os processos de escuta e de silenciamentos e a reprodução dos estigmas correlatos aos usos de drogas nos processos de diferenciação entre tráfico e o porte para consumo pessoal, bem como, na fundamentação que justifica o cárcere, a liberdade ou a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. Outrossim, reconhecendo a necessidade de posicionar a pesquisa e a pesquisadora em um contexto histórico e político e nas vivências e referências que singularizam as lentes com que serão avaliados os dados, será primada uma pesquisa situada e desconstrutivista. Portanto, é diante de uma realidade carcerária sobrecarregada e violadora de direitos humanos e em tempos de cerceamento e perseguição às pesquisas acadêmicas sociais e humanas, que se sobreleva a necessidade de dar visibilidade às histórias não contadas pelos termos judiciais e de questionar, qualitativamente, as prisões e a sua racionalidade em um cenário crescente de seletividade penal e de reprodução de violência sistêmica e simbólica.