A atividade do técnico de enfermagem durante o processo cirúrgico de um hospital público de trauma de Natal/RN: uma contribuição da Ergonomia para a melhoria da segurança do paciente
Ergonomia. Segurança do paciente. Eventos adversos. Enfermagem. Cirurgia.
Os eventos adversos (EAs) estão cada vez mais no centro das preocupações das políticas públicas de saúde em todo o mundo, pois este tipo de ocorrência não é raro e tem acometido muitos pacientes. No Brasil, de 2006 a 2022, ocorreram 1.783 EAs relacionados à intervenção cirúrgica, com mais de 92% destes eventos classificados com maior risco ao paciente (classes III e IV), de acordo com a ANVISA. No Rio Grande do Norte, de 2013 a 2022, os EAs por causa da intervenção cirúrgica corresponderam a 1,92% do total de notificações. Diante do aumento de EAs cirúrgicos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou o segundo Desafio Global para a Segurança do Paciente (SP) em 2008, com o tema “Cirurgias Seguras Salvam Vidas”, direcionada à segurança da assistência cirúrgica. Este estudo tem por objetivo geral analisar a relação existente entre os contrantes e as variabilidades incidentais e a ocorrência de eventos adversos com os pacientes durante os processos cirúrgicos em um hospital público de trauma, as estratégias adotadas e as regulações realizadas pelos técnicos de enfermagem para prevenir os eventos adversos ou mitigar seus impactos. Metodologicamente, foram realizadas pesquisas bibliográficas, análise documental e pesquisa de campo. Para a pesquisa de campo, foi utilizado o método situado e participativo da Análise Ergonômica do Trabalho (AET), por meio do qual foram aplicadas técnicas interacionais e observacionais, auxiliadas por registros fotográficos e de filmagem, com foco na atividade do técnico de enfermagem durante o processo de assistência cirúrgica. Isto possibilitou identificar as seguintes evidências relativas à atividade do técnico de enfermagem (instrumentador cirúrgico e circulante de sala) na realização da assistência cirúrgica, entre outras: a) determinantes da atividade: falta de capacitação em SP, falta de manutenção e reposição dos equipamentos/instrumentais, déficit de profissionais, comunicação ineficaz ou ausente; b) contrantes físicos: dificuldade em transportar as macas e camas hospitalares devido a existência de alguns pisos com rachaduras, além do risco de ocorrência de acidentes com o paciente e o profissional; macas e camas hospitalares com rodízios e barras de proteção danificadas, exigindo maior emprego de força pelos profissionais e com risco de queda dos pacientes, além de colchões rasgados e com espuma danificada, acarretando desconforto ao paciente; c) contrante temporal: dificuldade do profissional em usufruir de pausas no trabalho devido à alta demanda de pacientes no centro cirúrgico (CC); d) variabilidades incidentais: quebra do carrinho de anestesia, da mesa cirúrgica e outros equipamentos durante as cirurgias, o que provoca atrasos cirúrgicos ou necessidade do uso da ventilação de resgate com ambu; instrumentos cirúrgicos antigos, desgastados e com avarias, dificultando a instrumentação cirúrgica, o que provoca atrasos cirúrgicos e pode aumentar o tempo de anestesia. Para garantir a eficiência da atividade e prevenir os EAs e mitigar seus danos, os técnicos realizam, constantemente, regulações na atividade, utilizando-se das seguintes estratégias e ações, entre outras: fixação das grades de proteção das macas hospitalares com ataduras para evitar queda do paciente; colocação de suporte de papelão abaixo do colchão das macas para torná-lo mais confortável e evitar lesões por pressão; abertura de outras caixas cirúrgicas para encontrar melhores instrumentais cirúrgicos para as cirurgias. Diante dos achados, recomendou-se a adoção das seguintes medidas para evitar e/ou atenuar os riscos de ocorrência de EAs com os pacientes cirúrgicos, dentre outras: utilizar o checklist ou lista de verificação de cirurgia segura; instituir a comunicação efetiva intersetorial e interprofissional; adquirir macas e camas hospitalares novas ou com melhor estado de conservação para facilitar o transporte e transferência dos pacientes; ampliar o quadro de enfermagem, reduzindo a sobrecarga física e mental dos profissionais com a rotatividade em cirurgias. Destarte, conclui-se que há necessidade de se implementar melhorias com relação à SP no período perioperatório do hospital avaliado, tendo em vista os entraves e obstáculos encontrados durante a atividade do técnico de enfermagem que, de alguma forma, ameaçam a qualidade do serviço prestado e a SP em ambiente cirúrgico. Como contribuições, esta pesquisa incrementa o conhecimento existente sobre a atividade do técnico de enfermagem em processo cirúrgico, sua importância e a relação com a SP; demonstra a aplicabilidade do método da AET para este tipo de pesquisa; estabelece uma relação teórica, metodológica e prática entre a Ergonomia e a SP; e propõe medidas para reduzir a ocorrência de EAs com os pacientes durante os processos cirúrgicos. Para trabalhos futuros sobre este tema, sugere-se que seja replicada a metodologia desta pesquisa em atividades semelhantes em outros CC de hospitais públicos e/ou privados em nível nacional e internacional e que sejam feitas análises comparativas, visando à redução de EAs durante a assistência cirúrgica.