Complexidade das doenças tropicais negligenciadas no Brasil: coinfecção HIV/Leishmania infantum e exposição de risco à esquistossomose.
Infecções Assintomáticas; Imunossenescência; Exaustão do Sistema Imunitário; Usos da Água.
A leishmaniose visceral e a esquistossomose são doenças tropicais negligenciadas de grande impacto em populações que vivem em vulnerabilidade social e ambiental. Neste trabalho foram realizados dois estudos populacionais distintos: (1) avaliação da evolução de pessoas vivendo com HIV residentes em Natal e com risco de exposição a Leishmania infantum e (2) avaliação de fatores associados à infecção por Schistosoma mansoni em indivíduos com risco de exposição ao patógeno residentes no município de Pureza, Rio Grande do Norte. O primeiro estudo teve como hipótese que a adesão à terapia antirretroviral diminui o risco de desenvolver AIDS/leishmaniose visceral; enquanto o segundo estudo teve como hipótese que há comportamento de risco para exposição a Schistosoma mansoni apesar das áreas sob risco de exposição ao patógeno estarem bem documentadas naquele município. O primeiro estudo foi de natureza observacional com coleta de dados em dois tempos (T1 e T2) e incluiu 829 pessoas vivendo com o HIV com risco de exposição a Leishmania infantum. Os participantes foram agrupados com base na coinfecção HIV/Leishmania, determinada por testes sorológicos e/ou moleculares, em dois grupos: coinfecção assintomática HIV/Leishmania e apenas HIV. Marcadores de ativação, senescência e exaustão de células imunes foram avaliados em T2 por citometria de fluxo. A prevalência de coinfecção assintomática por HIV/Leishmania em T1 foi de 11,5%. Nenhum participante desenvolveu leishmaniose visceral no período médio de 8,2 ± 2,9 meses de seguimento. O uso regular da terapia antirretroviral foi observado em 89,2% dos participantes em T1 e 98,2% em T2. Houve melhora significativa na contagem de células CD4+ ao longo do tempo e aumento na proporção de carga viral indetectável, tanto nos grupos de coinfecção por HIV/Leishmania quanto no grupo apenas HIV (p ≤ 0,0011 e p = 0,004, respectivamente), provavelmente devido à adesão a TARV. Os níveis de células T ativadas, senescentes e em exaustão não diferiram entre os grupos, sugerindo que a adesão consistente à terapia antiretroviral parece impedir o declínio imunológico, prevenindo a progressão para a leishmaniose. O segundo estudo foi de delineamento transversal e foram avaliados 315 residentes do município de Pureza utilizando o exame parasitológico Kato-Katz para detecção de Schistosoma mansoni.Os participantes foram divididos em quatro grupos: 1) Casos recentes de S. mansoni (n = 44); 2) Histórico de tratamento para S. mansoni (n = 78); 3) Comunicantes vizinhos não tratados (n = 158); 4) Controles (n = 35). O sexo masculino foi mais prevalente no grupo de casos recentes de infecção (p < 0.05). Deste grupo, 38,6% dos indivíduos já haviam sido tratados para S. mansoni, indicando reinfecção. A renda média per capita mensal foi de 372,0 ± 225,9 e 45,1% dos indivíduos recebiam Bolsa Família. A maioria dos participantes do grupo controle relatou nunca ter feito uso das coleções hídricas (77,1%). Entre aqueles que relataram uso neste grupo, a principal finalidade foi banho recreativo – comportamento reconhecidamente de maior risco para exposição ao patógeno. Apesar do conhecimento sobre as áreas de risco, o uso das coleções hídricas para práticas recreativas e casos de reinfecção indicam a persistência de comportamentos de exposição à infecção por S. mansoni.