PSICOSE E TOXICOMANIAS: UM ESTUDO PSICANALÍTICO
Pesquisa psicanalítica; drogas; Saúde Mental; Psicanálise Aplicada.
O interesse pelo tema do uso de drogas e sua relação com a psicose nasceu a partir da experiência de estágio da pesquisadora na área de Saúde Mental em um Centro de Atenção Psicossocial em Natal, no período de março de 2006 a março de 2008, na qual se observou um número significativo de pacientes psicóticos que faziam uso de drogas, além de pacientes que tiveram sua psicose deflagrada após o início do uso de substâncias psicoativas, assim como a dificuldade do serviço em como e onde tratar esses usuários. Que tratamento oferecer a esse sujeito e qual o lugar para tratá-lo: um CAPS ad, no qual o tratamento da psicose não tem lugar ou um CAPS II que não trata a dependência química? A Organização Mundial da Saúde (2006) indica que existe alta co-morbidade entre qualquer transtorno mental e dependência de substâncias e aponta que permanecem obscuros quais seriam os fatores causais para este elevado índice de co-morbidade. Além disso, o uso de drogas e as suas formas de tratamento são temas centrais nas atuais políticas públicas brasileiras e coloca-se como questão para o trabalho em Saúde Mental no país. Para abordar o tema, tomamos como referência a teoria psicanalítica, na medida em que apenas neste campo teórico encontramos o tema da toxicomania discutido a partir da estrutura do sujeito e da sua singularidade. A revisão de literatura acerca das toxicomanias sob a perspectiva da Psicanálise revelou que Freud e Lacan não se dedicaram ao estudo dessa temática, mas deram contribuições importantes que se desdobram atualmente no campo teórico e na prática clínica. Freud (1930/1996) situa as drogas como um dos recursos mais eficazes para aliviar o mal-estar inerente a todas as civilizações, tanto que receberam lugar de destaque na vida de indivíduos e de povos inteiros, mas também considerou os efeitos nocivos da intoxicação crônica. Em Lacan (1976), as drogas são pensadas como produtos fabricados pela ciência que visam oferecer um modo de satisfação individualista que prescinde do social. Esse modo de satisfação auto-erótica proporcionado pela droga faz dela objeto exclusivo do toxicômano, substituindo o parceiro amoroso e encerrando o sujeito num modo de prazer fixo e repetitivo. Autores psicanalíticos contemporâneos corroboram com a tese lacaniana sobre as drogas e apontam que o uso feito por psicóticos possui diferentes aspectos. Dividimos suas teorizações em dois eixos distintos: o primeiro eixo, representado por autores como Beneti (1998), Conte (2003) e Le Poulichet (2005), aborda a o uso de droga enquanto suplência à ausência do significante que insere o psicótico na ordem social. O segundo eixo, defendido por autores como Martins (2009) e Maleval (2001), não pensa a droga enquanto suplência, mas sim com a função de intensificação dos fenômenos psicóticos ou como a tentativa de apaziguamento desses mesmos fenômenos. A revisão aponta diferentes modos de pensar o uso de droga e sua relação com a estrutura psíquica. Nesse caminho, como pensar o lugar da droga na psicose, tendo em vista que essa estrutura é marcada por uma perda da realidade que é dada de antemão? Este trabalho tem por objetivo investigar que elementos da estrutura psicótica poderiam tornar possível a articulação entre essa estrutura e a prática da toxicomania. O método de pesquisa é o teórico-clínico. Parte-se de fragmentos de um caso clínico analisado a partir do conceito de Psicose nas obras de Freud e Lacan, bem como de estudos acerca do fenômeno da toxicomania. Constituir-se-ão três capítulos. O primeiro versa sobre a estrutura psicótica a partir de conceitos fundamentais propostos por Freud e Lacan. Partimos com Freud desde as suas primeiras referências sobre a psicose em 1894, passando pela discussão do caso Schreber em 1911, até suas últimas referências sobre o assunto ao final de sua obra. Seguimos com a trajetória lacaniana em seus dois ensinos e seus marcos conceituais. Lacan fez da investigação da psicose o elemento central de todo o seu estudo apontando que nessa estrutura existe uma diferença fundamental decorrente da exclusão do sujeito psicótico da ordem simbólica, ou seja, da lei e dos laços sociais. O segundo capítulo aborda o fenômeno das toxicomanias sob a ótica da psicanálise. Percorremos a trilha de Freud desde as primeiras investigações sobre a cocaína e discutimos seus principais apontamentos sobre o tema na obra “O mal-estar na civilização” de 1930. Com Lacan, aprofundamos nossa investigação a partir da tese de que o uso de drogas permite uma ruptura com o social e, por fim, desembocamos nos desdobramentos teóricos de autores atuais. O terceiro capítulo visará estabelecer as articulações possíveis entre a toxicomania e a clínica da psicose, discutindo as diferentes vertentes que procuram situar o lugar que ocupa a droga nessa estrutura. Nesse capítulo retomaremos o caso clínico em articulação com as discussões levantadas, a fim de aproximarmos a pesquisa teórica com a prática clínica. A partir de tal discussão articulada ao caso clínico pretendemos ainda oferecer contribuições ao campo da Saúde Mental.