NARRATIVAS DE PERCURSOS FORMATIVOS EM PSICANÁLISE NAS ENCRUZILHADAS INTERSECCIONAIS.
formação psicanalítica, interseccionalidade, narrativas, testemunho
A formação de analistas, desde os primórdios da história do movimento psicanalítico, é atravessada por questões de cunho político que muitas vezes se reproduzem em tons de dominação e poder transmutados nos ditames de suas instituições. A interseccionalidade, enquanto importante ferramenta de pesquisa e de ação política que coloca em diálogo diversos campos, surge neste trabalho sustentando questões que emergiram nos percursos clínicos formativos da pesquisadora, ao visibilizar intersecções entre eixos de subordinação de raça, gênero/sexualidade e classe silenciadas no campo psicanalítico e no tecido social. Frente a isso, a pesquisa aqui desenvolvida teve como objetivo escutar como as violências de gênero/sexualidade, raça e classe, em suas interseccionalidades, comparecem nos percursos singulares de formação de analistas de Natal-RN.
Mais especificamente, objetivou analisar como essas violências em suas interseccionalidades são escutadas e manejadas por analistas em suas práticas clínicas, estudos teóricos, supervisão e análise pessoal, assim como testemunhar tais violências nos encontros com as participantes da pesquisa. O método de pesquisa se guiou por operadores teórico-metodológicos da psicanálise freudiana e ferencziana, tais como transferência, análise mútua, trauma, desmentido e testemunho, em diálogo com a perspectiva crítica da interseccionalidade. Envolveu a realização de escutas individuais realizadas em dois momentos distintos com quatro psicanalistas que vivenciam ou vivenciaram sua prática clínica, sua análise pessoal, supervisão clínica e estudos teóricos em Natal-RN, além de um trabalho contínuo de atenção e registro das afetações e memórias da pesquisadora em um diário de campo, aqui nomeado diário de fragmentos. A análise da experiência perpassou os caminhos do pesquisar desde a emergência das perguntas de pesquisa à produção de um destino para as mesmas por meio da escrita de narrativas de percursos formativos singulares, compartilhadas com as participantes. O processo de produção de narrativas evidenciou que, embora nas instituições e espaços de formação em Natal-RN a reflexão crítica quanto às violências interseccionais seja incipiente ou ausente no tripé formativo, as analistas experimentam leituras
interseccionais, processos de racialização, letramento racial e a elasticidade da técnica analítica em vivências criativas e transformadoras para a clínica que advém do trabalho com pessoas marcadas pelo racismo, sexismo, pobreza e segregação social, em suas interseccionalidades. Deu lugar à análise mútua e ao testemunho nas encruzilhadas interseccionais das cenas da pesquisa, possibilitando, sobretudo, escutar e narrar a violência colonial que historicamente silencia e apaga as histórias das mulheres negras. Convocou à racialização da transferência para a descolonização da prática clínica, como gesto ético-político e teórico-metodológico pelo qual se afirma a inseparabilidade entre clínica e política na psicanálise.