ENTRE CONVERSAS, ANDARILHAGENS E CAMARADAGENS COTIDIANAS: uma etnografia das invenções e resistências para além das drogas
Drogas psicotrópicas; etnografia; saúde mental; trauma social; práticas de resistência
O campo das drogas se constitui a partir de um conjunto extenso de práticas, discursos,
leis e normas que, alinhadas a uma pressão moralista, servem de substrato para elaboração
de diretrizes legais compostas por preconceitos étnicos e ideológicos. Diante deste
panorama, a tese trata de uma pesquisa que buscou evidenciar, a partir das vidas
singulares, formas de resistência que se opõem cotidianamente às políticas proibicionistas
no contexto do nordeste brasileiro. Utilizando o método etnográfico, foram construídos três
tempos como recurso na imersão em campo, que nomeamos de andarilhagens etnográficas,
conversas de pé de muro e conversas de pé de chinelo. A partir das narrativas escutadas
ao longo da pesquisa, construímos as análises diante de três elementos que surgiram nestes
encontros: I) relações entre os consumos prejudiciais de drogas e as situações traumáticas
experienciadas e narradas pelos participantes; II) problematização de como testemunhar e
creditar tais narrativas diante destes corpos e desejos tomados como “desviantes” em uma
sociedade proibicionista; e III) saídas possíveis como resistências diante das práticas
cotidianas nas relações com os territórios acessados. Nos primeiros tempos da pesquisa,
no cenário dos arredores de um CAPS AD III em uma cidade na Paraíba, foi possível compor
um conjunto de imagens e formas de leituras próprias e singulares das situações vividas
no território, destacando as relações intersubjetivas, socioinstitucionais e espaciais. As
análises trouxeram a importância da aproximação da vida cotidiana para promoção do
cuidado e do diálogo em torno do trauma, na perspectiva social e política, junto à reflexão
do desmentido proposta por Sándor Ferenczi, para constatar que tais expressões subjetivas
que foram narradas se tornam invisibilizadas, inaudíveis e intocadas diante do contexto de
proibição. No entanto, como alternativa a esse descrédito, foi proposto a partir de Deleuze
e Guattari a discussão do conceito de máquinas de guerra, possibilitando a construção de
lugares de resistência às universalizações impostas por uma sociedade colonialista e
proibicionista através da criação de linhas de fuga inventivas. E, por fim, trouxemos a
análise sobre os territórios junto aos seus elementos constituintes da subjetividade, tal
como propõem Deleuze e Guattari, para com Michel de Certeau destacar a importância do
cotidiano na construção de táticas frente às situações de opressão. Dessa forma, as análises
aqui tecidas nos propõem um campo de microrrevoluções que, à revelia da colonialidade e
do proibicionismo na vida social e da ausência de um aparato do Estado que proteja e
afirme as vidas, destacaram estes parceiros como singulares fazedores de suas
possibilidades de vida em seus arranjos inventivos e coletivos.