Os significados do trabalho para pessoas transgênero de Natal/RN
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As pessoas transgênero (também chamadas pessoas trans), aquelas que não se identificam com o gênero a elas socialmente atribuído em seu nascimento em razão de seu sexo biológico, são o grupo mais marginalizado, violentado e excluído em dentre a população LGBTI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Intersexuais e outras designações). Partindo de um histórico de patologização de suas identidades, a população trans e travesti enfrenta diversas violações em contextos familiares, escolares, sociais e institucionais. Essas interdições impactam diretamente a experiência dessas pessoas no trabalho, através da transfobia estrutural na sociedade capitalista, moldada a partir de relações desiguais e opressoras de raça, gênero e classe. As pessoas trans, ao terem sua inserção no mundo do trabalho dificultada, terminam impedidas de integrar redes de sociabilidade, de usufruir de direitos trabalhistas, de exercer direitos e deveres políticos, e ocupar espaços e cargos condizentes com seus objetivos e competências profissionais. Prostituição compulsória, exposição a riscos diversos, encarceramento massivo, pobreza e negação de direitos surgem na literatura como consequências diretas desses arranjos laborais excludentes. Mesmo diante de tamanha exclusão enfrentada no mundo do trabalho, essa esfera de vida também pode ser percebida de maneira positiva pela população trans e travesti. Mesmo nas condições desafiadoras impostas pela informalidade, especialmente no trabalho sexual, a literatura aponta que o trabalho pode ser percebido como fonte de autonomia, de construção de sociabilidades e vínculos afetivos, e de reafirmação identitária nas vidas trans e travestis. Quando consideramos o âmbito do mercado formal, a literatura também indica que a população trans e travesti, apesar do preconceito enfrentado na formalidade, também percebe o trabalho como via de inclusão, garantia de direitos, cidadania e dignidade, especialmente diante da expectativa de inserção em postos formais de trabalho. Diante dessa diversidade de percepções e possíveis significados aparentemente antagônicos construídos pelas pessoas trans e travestis sobre o trabalho, nos propomos a investigar o processo de significação do trabalho na realidade dessa população na cidade de Natal/RN, motivados pelo alarmante fato de que a capital potiguar ocupa o segundo lugar no Nordeste e o quarto lugar nacional em número de mortes violentas de pessoas trans e travestis, segundo o Dossiê 2020 da ONG REDETRANS sobre violência transfóbica no Brasil. Do ponto de vista teórico-metodológico, propomos os operadores teóricos “significados culturais do trabalho” e “significados pessoais do trabalho” para investigar os significados do trabalho em uma perspectiva histórico-cultural de base semiótica, através da qual buscamos investigar a integração entre subjetividade, trajetórias de vida e cultura como elementos centrais do processo de significação do trabalho para as pessoas trans e travestis. Para consecução metodológica, foram realizadas entrevistas em profundidade orientadas por um roteiro construído a partir de contribuições de pessoas trans e travestis natalenses, dedicado a conhecer em detalhes as histórias de vida e de trabalho das/dos 5 (cinco) protagonistas entrevistadas/dos como parte do estudo, sendo 2 (duas) mulheres trans, 2 (dois) homens trans e 1 (uma) pessoa não-binária. As entrevistas foram transcritas integralmente e foram identificados, através de mapas visuais das trajetórias, os principais marcos biográficos e rupturas das histórias de vida das/dos protagonistas,permitindo assim a realização de uma análise semiótica do processo de significação do trabalho em seus trajetos. A seguir, os significados identificados foram discutidos a partir da literatura sobre o trabalho da população trans e travestis, e dos variados determinantes sociais, econômicos e culturais, especialmente à luz das reflexões propostas pela Psicologia do Trabalho e pelo Transfeminismo brasileiro. Acreditamos que identificar e compreender os significados construídos pela população trans e travesti sobre o trabalho (especialmente a partir da relação entre suas trajetórias e os contextos social, histórico e cultural vigentes), pode contribuir para elucidar como essa esfera vital, fonte tanto de exclusão quanto inclusão para esse grupo, impacta suas trajetórias de vida e laborais, e para gerar subsídios de transformação dessa realidade através de políticas e ações afirmativas.